25 de ago. de 2008

SHOW: JOÃO GILBERTO NO TEATRO MUNICIPAL – RIO DE JANEIRO – 24/08/08

Foram 14 anos longe dos palcos do Rio de Janeiro, mas os cariocas presentes no Teatro Municipal na noite de ontem, lavaram a alma. A alegria da platéia e de João Gilberto era tão grande, que, lá no finalzinho do show, o público cantou “Chega de Saudade” com João Gilberto como se estivesse em qualquer barzinho. E João gostou tanto, a ponto de dizer “agora não quero mais ir embora”.

Mas antes de “Chega de Saudade”, muita água rolou no (já histórico) show de João Gilberto. Com 50 minutos de atraso, João entrou no palco e, de cara, mandou “Você Já Foi à Bahia?”. Ao final, ele falou apenas uma frase: “Dorival Caymmi, vocês sabem, né?”. Após, João simplesmente repetiu a canção em um andamento um pouco mais lento. O tributo ao compositor baiano que faleceu há oito dias continuou nas duas canções seguintes, “Doralice” e “Rosa Morena”.

Após a linda homenagem a um de seus mestres, João Gilberto retomou o roteiro que já havia apresentado nos dois concertos que realizou em São Paulo na semana passada. Assim, seguiram-se “13 de Ouro” (que causou risos na platéia com a sua letra que fala de uma nega macumbeira que tem um 13 de ouro pendurado no pescoço), “Meditação” (a primeira música Bossa Nova propriamente dita do roteiro) e “Preconceito”.

O momento mais aplaudido da noite veio logo em seguida, com “Samba do Avião”. Não se sabe se João Gilberto se enrolou mesmo na letra – o início da música foi praticamente instrumental – ou se ele estava apenas tentando reinventá-la. Mas fato que João repetiu a letra da canção cinco vezes, em uma versão que ultrapassou os seis minutos de duração. Provavelmente foi um pedido de desculpas ao carioca por tantos anos de ausência dos palcos da cidade: “Minha alma canta / Vejo o Rio de Janeiro / Estou morrendo de saudades / ... / Este samba é só porque / Rio, eu gosto de você”.

João deu continuidade a homenagem à Cidade Maravilhosa cantando um medley (como já havia feito em São Paulo) que uniu três canções da “Sinfonia do Rio de Janeiro”, de Billy Blanco e Tom Jobim. Os últimos singelos quatro versos cantados por João Gilberto resumiam a noite no Municipal: “Rio de Janeiro / Que eu sempre hei de amar / Rio de Janeiro / A montanha, o sol e o mar”).

Tom Jobim ainda foi lembrado no roteiro, com as pérolas “Lígia” (mais uma vez, João não cantou o nome da musa da canção), “Caminhos Cruzados” e “Corcovado”. Dizer que esta última foi outra das mais aplaudidas da noite chega a ser desnecessário... Em seguida, foi a vez de “Disse Alguém”, versão que Haroldo Barbosa fez para “All Of Me” (de Seymour Simons e Gerald Marks), e que não tem muito costume de estar presente no repertório dos shows de João.

Mas se o Rio de Janeiro foi homenageado em São Paulo, a recíproca também ocorreu no Teatro Municipal. “Chove Lá Fora” e “O Nosso Olhar”, dos paulistas Tito Madi e Sérgio Ricardo, respectivamente, foram apresentadas em seguida. Ambos os compositores ainda foram homenageados por João, ao final de “O Nosso Olhar”, com uma curta e carinhosa frase: “Grande Tito Madi, grande Sérgio Ricardo, meus grandes amigos”. Após, foi a vez de “Wave”, mais um clássico de Jobim, muito aplaudido pelo público.

“De Conversa Em Conversa”, que João cantou no Carnegie Hall mas deixou de fora no Auditório Ibirapuera, deu continuidade ao espetáculo que, antes do bis, ainda teve uma versão sublime de “Desafinado”, a italiana “Estate” (uma das mais belas interpretações da noite) e “Isso Aqui o Que É”. Curioso notar que esta última foi a única concessão que João Gilberto fez ao repertório de Ary Barroso. “Morena Boca de Ouro” e “Pra Machucar Meu Coração”, que fizeram parte dos shows em São Paulo, ficaram de fora. Denis Brean e a sua “Bahia com H” também não deram as caras no Municipal. E Janet de Almeida, com a sua "Pra Que Discutir com Madame?", ainda não foi lembrado em nenhum dos quatro shows que João realizou esse ano. Certamente foi uma opção de João Gilberto de mostrar que, dessa vez, o grande homenageado da noite seria Dorival Caymmi.

E o mestre baiano foi relembrado mais uma vez no bis. Logo após “Aos Pés da Cruz” e “Da Cor do Pecado”, João Gilberto cantou uma tocante versão de “Você Não Sabe Amar”. Antes, porém, “desculpou-se” com a platéia: “ Com licença, mas vou cantar mais uma do Dorival Caymmi”.

No longo bis, ainda teve espaço para uma homenagem ao grupo vocal Os Cariocas, que, segundo João, são “os professores do vocal”. O violonista ainda citou os nomes de Ismael Neto e Waldir Viviani antes de cantar “Tim Tim Por Tim Tim” imitando o conjunto do Rio de Janeiro. Depois foi a vez de “Chega de Saudade”, com direito à platéia cantando baixinho, no mesmo andamento de João, que sorriu o tempo todo. Ao final, João Gilberto citou o nome de Severino Filho, outro integrante d’Os Cariocas e que ele havia se esquecido anteriormente. Em mais uma homenagem ao grupo vocal, João cantou um trechinho de uma outra canção do conjunto.

Repentinamente, e para surpresa do público, João Gilberto interrompeu a canção e falou: “Eu ouvi um sussurrinho no ‘Vai minha tristeza...’ e gostei muito. Vamos fazer de novo?”. Bem que João tentou cantar a música, mas as vozes das pessoas na platéia calaram o baiano, que se contentou em fazer apenas o acompanhamento no violão e um discreto vocal, como em um karaokê de luxo. Após terminar toda a letra da música, João cantarolou “outra vez”, e aí não teve mais jeito. A platéia explodiu em um aplauso que abriu um raro sorriso de orelha a orelha no rosto de João. (Nesse momento, a única coisa que restava era fechar os olhos e pensar como a Música Popular Brasileira é a música mais linda do mundo.)

Ao final do karaokê, João Gilberto aplaudiu a platéia, que também bateu palmas para o baiano por dois longos minutos. “Agora não quero mais ir embora”, foi a única frase que João Gilberto conseguiu pronunciar após o histórico momento. E seguiu com um convite: “Vamos cantar ‘Garota de Ipanema’?”. Mais uma vez, para deleite de João, o público o acompanhou no coro, embora um pouco mais discreto.

Em seguida, João Gilberto ameaça se levantar, mas falou: “Eu disse que ia, mas não vou”. E foi a vez do ‘grand finale’ com “O Pato”, na qual ainda pediu ajuda ao público (ou melhor, às aves): “Cadê vocês? Quém! Quém! Quém! Quém!”.

Provavelmente, o público está cantando o ‘quém quém’ até agora. Só esperemos que não tenhamos que aguardar por mais 14 anos para assistir novamente a um show de João Gilberto no Rio de Janeiro. Histórico do início ao fim.

Abaixo, o roteiro do show de João Gilberto no Teatro Municipal:
1) "Você Já Foi à Bahia?”
2) "Doralice"
3) "Rosa Morena"
4) "13 de Ouro"
5) "Meditação"
6) "Preconceito"
7) "Samba do Avião"
8) "Hino Ao Sol / O Mar / Abertura"
9) "Lígia"
10) "Caminhos Cruzados"
11) "Não Vou Pra Casa"
12) "Corcovado"
13) "Disse Alguém"
14) "Chove Lá Fora"
15) "O Nosso Olhar"
16) "Wave"
17) "De Conversa Em Conversa"
18) "Desafinado"
19) "Estate"
20) “Isso Aqui o que É"
21) "Aos Pés da Cruz"
22) "Da Cor do Pecado"
23) "Retrato Em Branco e Preto"
24) "Você Não Sabe Amar"
25) "Retrato em Branco e Preto"
26) "Tim Tim Por Tim Tim"
27) "Chega de Saudade"
28) “Garota de Ipanema”
29) “O Pato”

Cotação: HISTÓRICO!

Mais informações:
Resenha do show de Nova York

10 comentários:

pituco disse...

luis felipe,
muito prazer e muito obrigado por esse teu relato emocionante...

posso compartilhar contigo toda essa energia que vibra da música desse senhor baiano...teu depoimento chegou a marejar meus olhos de pura emoção.

teu blog já está entre meus favoritos.

amplexosonoros e amplificados
namaste

Marcelo Moraes disse...

Simplesmente emocionante e estetacular seu relato.Pelo jeito ele deixou a tão famosa irritabilidade em ser interrompido,né!?! Teve um show dele aqui em Juiz de Fora a alguns anos que João quis sair do palco por causa de um pequeno Burburinho causado por um gerador de energia do teatro Central que o irritava profundamente.O gerador teve de ser desligado...Coisas de João,sempre imprevisível!Esse show poderia virar um DVD,você sabe se existe essa possibilidade?
Abs

Anônimo disse...

Faltou contar que na primeira música ele repetiu imitando Dorival Caymmi e o Tom (achei ótimo).

O que eu mais gostei foi ver que ele também gostou.

Unknown disse...

Viva o João Gilberto! Viva o Luiz Felipe Carneiro!

Francisco Rezende disse...

Sensacional! :)

Marcos disse...

foi o melhor show que já vi com certeza, e sempre será!
não acreditei no que vi e escutei e adorei ele falando sobre os gostos dele de música, d'os cariocas...
é uma noite para ser lembrada para sempre!

Luiz Felipe Carneiro disse...

Oi Marcelo!
Infelizmente o show não foi filmado. JG ainda não chegou a tal ponto... Hehe... Mas soube que todos os shows no Brasil (e o de NY) tiveram o áudio gravado. De repente rola um CD...
Obrigado pelos elogios (e estendo meus agradecimentos a todos que comentaram).
Abraços,

Luciano Freitas disse...

Belíssimo relato. Descreveu com detalhes a noite que se tornou histórica! Adorei!

Carol disse...

Você tem certeza que o show não foi filmado? Fiquei desolada com esta notícia.O show foi tão bom que a possibilidade de um DVD estava me animando...

Luiz Felipe Carneiro disse...

Carol,
não havia câmeras no teatro. Em SP, a Globo propôs filmar o show, mas João Gilberto só liberou a primeira música do primeiro show para passar nos telejornais.
E para filmar um show dele, bastaria uma câmera. Mas realmente não tinha câmeras no Municipal. Infelizmente!
Mas se serve de consolo, o show de Roberto Carlos e Caetano veloso, hoje, em São Paulo, está sendo filmado para virar um programa da Globo a ser transmitido em setembro.
Não há nada confirmado, ams acho que as chances de um DVD são muito altas.
Abraços,