Antes de o show começar, no saguão do Auditório Ibirapuera só era possível ouvir uma única indagação: “Será que hoje ele atrasa que nem ontem?”. Bom, que nem ontem não atrasou (e, pelo menos, quando as portas do auditório se abriram, o palco, ao contrário da noite anterior, já estava montado), mas o público ainda teve que esperar uma hora exata até João Gilberto subir ao palco. Diferentemente da noite de 5ª feira, a platéia inteira se levantou para aplaudir o violonista de pé. Durante um minuto, João foi ovacionado e permaneceu de cabeça baixa. Ele se sentou na cadeira e, em seguida, se levantou. Puxou a cadeira um pouquinho para trás. Sentou-se novamente.
Quando ameaçou dar o primeiro acorde em seu violão, parou, olhou a platéia e desandou a falar. “Ontem disseram que eu cheguei atrasado porque estava jantando. Eu tenho o maior respeito por São Paulo. Jamais deixaria São Paulo para jantar. Eu nem jantei, engoli”. A platéia não sabia se ria ou ficava em silêncio. Na dúvida, aplaudiu. Em seguida, João falou sobre o grupo Titulares do Ritmo, que fez sucesso na década de 50. “Os Titulares do Ritmo estão aqui. Eles são sensacionais. Vou cantar uma música que eles cantavam”. Provavelmente fora do roteiro original, João Gilberto cantou “Dor de Cotovelo” (“Eu tenho uma dor de cotovelo por você / Eu quero lhe dizer que é a razão do meu sofrer”), canção gravada pelo grupo em 1952. Em seguida, sem nenhum motivo aparente, cantarolou a melodia de “Odeon”, de Ernesto Nazareth, e disse que a canção é “linda”.
Com “Os Pés da Cruz”, o roteiro do show começou a ser delineado de verdade. A canção foi a mesma que iniciou o show da noite anterior. Após uma interpretação perfeita, e sem o barulho dos cliques dos fotógrafos (e nem do computador sendo desligado...), João dobrou a manga de sua camisa e disse que a tinha comprado “hoje”. Em seguida, voltou a falar sobre São Paulo. “São Paulo, I love You. É o amor”. Após, (acredite se quiser!), João tocou o famoso acorde da canção de Zezé di Camargo e Luciano e cantou “É o amor...”, provocando risos na platéia. Pena que a sua interpretação para essa música tenha ficado apenas nesse verso...
Logo depois, foi a vez da rara “13 de Ouro”, também apresentada no show da noite anterior. Ao seu término, João voltou a falar sobre o atraso da noite anterior. “Disseram que eu atrasei porque estava jantando. Quando soube dessa notícia, eu vim correndo e engoli tudo”. Risos na platéia e João deu o assunto por encerrado, emendando “Wave”, “Caminhos Cruzados” e “Doralice”.
Já que não dava mais para falar sobre o atraso, João Gilberto resolveu expressar o seu amor ao Japão (país onde fará três shows em novembro). E – pasmem! – cantou uma canção absolutamente inédita, escrita por ele, em homenagem ao Japão. A letra mistura inglês, francês, japonês e português e a sua melodia é belíssima. João falou que era a primeira vez que a apresentava em público, e que gostaria de tê-la guardado até os shows no Japão, mas não resistiu. Ainda bem... Um momento histórico assim se desenhou no Auditório Ibirapuera.
Em seguida, João retornou o roteiro do show aos trilhos e mandou “Meditação” e “Preconceito”. Depois, inicia mais um diálogo com o público. “Sempre colocam água aqui, mas eu nunca bebi cantando...”, disse para em seguida ameaçar beber a água no gargalo da garrafa.
O concerto teve continuidade com “Disse Alguém”, “O Pato” (“Tão bonitinhos os patinhos”, comentou ao final da canção), “Corcovado” e “Samba do Avião”. E o próximo lugar a ser homenageado pelo violonista baiano foi o Rio de Janeiro (aonde se apresentará no próximo dia 24). “Hino Ao Sol”, “Abertura” e “O Mar”, todas da “Sinfonia do Rio de Janeiro”, composta por Tom Jobim e Billy Blanco, foram lembradas em um medley. A terceira do trio é especialmente bela: “Onde o mar, o mais velho / Habitante da areia / O mais íntimo amigo / De tanta sereia”.
Outras canções que já haviam sido apresentadas na noite de ontem (“Ligia”, “Você Já Foi à Bahia?”, “Rosa Morena”, “Morena Boca de Ouro” e “Desafinado”) deram continuidade ao show. Entretanto, algumas mudanças na ordem do roteiro podiam ser notadas, como “Chove Lá Fora”, “Da Cor do Pecado” e “Bahia com H”, que saíram do bis e fizeram parte do roteiro original da segunda noite.
Mais uma surpresa da apresentação foi a inclusão de “Ave Maria No Morro”, composição de Herivelto Martins, ausente na primeira noite. E, após “Chega de Saudade” (em todas as apresentações, esta canção sempre nos dá a nítida impressão de que, 50 anos depois, João ainda está buscando algo novo nela), foi a vez de uma singela homenagem a cidade de São Paulo. E a canção eleita – na verdade, uma poesia de Vinícius de Moraes – foi “Dobrado de Amor a São Paulo”. A sua letra (“São Paulo quatrocentos anos / E eu coitado, quatrocentos desenganos de amor / Eu daqui não saio mais, de São Paulo / Isto aqui está bom demais, em São Paulo”) emocionou até quem não era paulista.
Após, foi a vez de “Isso Aqui o Que É”, que, assim, como na noite anterior, João Gilberto omitiu o “ôô” após o “isso aqui”. Detalhes, apenas detalhes que dão mais um recheio a viagem de se assistir a um show de João Gilberto.
O violonista se levanta da cadeira, agracede ao público que, mais uma vez, o aplaude de pé. Um minuto depois retorna e ataca com “Samba de Uma Nota Só” e “Guacyra”. Dessa vez, quem ficou esperando por “Garota de Ipanema”, saiu decepcionado. Mas ninguém reclamou.
Abaixo, o roteiro do segundo show de João Gilberto em São Paulo:
1) “Dor de Cotovelo”
2) "Aos Pés da Cruz"
3) "13 de Ouro"
4) "Wave"
5) "Caminhos Cruzados"
6) "Doralice"
7) (Música inédita em homenagem ao Japão)
8) "Meditação"
9) "Preconceito"
10) "Disse Alguém"
11) "O Pato"
12) "Corcovado"
13) "Samba do Avião"
14) “Hino Ao Sol / O Mar”
15) "Lígia"
16) "Você Já Foi à Bahia"
17) "Rosa Morena"
18) "Morena Boca de Ouro"
19) "Desafinado"
20) “Chove Lá Fora”
21) "Estate"
22) “Da Cor Do Pecado”
23) “Bahia Com H”
24) "Não Vou pra Casa"
25) “Ave Maria No Morro”
26) “Pra Machucar Meu Coração”
27) "Chega de Saudade"
27) “Dobrado de Amor a São Paulo”
28) “Isso Aqui o Que É"
29) "Samba de uma Nota Só"
30) "Guacyra"
Cotação: *****
Mais informações:
Resenha do show de Nova York
Resenha do primeiro show em São Paulo
16 de ago. de 2008
SHOW: JOÃO GILBERTO NO AUDITÓRIO IBIRAPUERA – SÃO PAULO – 15/08/08 (2° SHOW)
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João Gilberto
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Um comentário:
Olha, tá certo que João Gilberto é o máximo. E eu mesmo já esperei mais de uma hora para assistir a um show deles há uns 10 anos. Mas será que alguém já disse para ele da deselegância desses atrasos? Ontem mesmo, ao ler matéria no Estadão, fiquei pensando: "É muito cômodo subir ao palco na hora que quiser, né?". Mas que é deselegante e desrespeitoso, mesmo sendo o gênio da mpb, ah isso é.
Abração
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