Os pesquisadores sobre determinado assunto costumam ter um certo fetiche por datas. Com relação à Bossa Nova, gênero musical que revolucionou a Música Popular Brasileira no final dos anos 50, não poderia ser diferente. E já que muitos entendidos no assunto, apesar de muitas controvérsias, resolveram estipular o ano de 1958 como marco zero da Bossa Nova – foi nesse ano que Elizete Cardoso lançou o álbum “Canção do Amor Demais”, que tinha duas faixas com o violão de João Gilberto, inclusive a seminal “Chega de Saudade” –, estamos aqui, em 2008, comemorando os 50 anos desse gênero musical que faz tanto sucesso nos quatro cantos do planeta.
E faz tanto sucesso, que no domingo, dia 22/06, João Gilberto lotou o mítico Carnegie Hall (foto acima), em Nova York, para um show em que o público – na maior parte, norte-americano – comungou durante uma hora e cinqüenta e cinco minutos ao som de grandes clássicos do cancioneiro brasileiro (incluindo, obviamente, as canções que fizeram a história da Bossa Nova) juntamente com o seu criador.
Apesar de muita gente ter duvidado de que João Gilberto iria mesmo subir ao palco do Carnegie Hall, com apenas cinco minutos de atraso, o violonista foi ovacionado de pé pelo público por mais três minutos. A primeira canção, “Doralice”, foi uma pequena introdução que mais serviu para que o som (questão sempre problemática nos shows de João) fosse ajustado. No início da canção, quase nada se ouvia do que saía do palco. Assim, em “Chega de Saudade”, a segunda do roteiro, o som já estava bem melhor. Mas mesmo assim, era impossível se mexer nas poltronas do imponente teatro sem que o rangido das mesmas não atrapalhasse o espetáculo.
Mas João Gilberto estava, definitivamente, em uma ótima noite. Outras canções se seguiram (como “Corcovado”, “O Pato”, “Aos Pés Da Cruz”, “Caminhos Cruzados”, “Samba De Uma Nota Só”, “Estate”) até que João reclamou de “um ventinho na cabeça” que o estava deixando “um pouco afônico”. Como a reclamação foi em português, a platéia não entendeu o que estava realmente ocorrendo, mas mesmo assim ficou apreensiva com receio de algum rompante mais imprevisível de João Gilberto.
Como costuma fazer em seus shows, João mesclou canções da Bossa Nova (mais especificamente de Tom e Vinícius) com sambas antigos de Ary Barroso (“Morena Boca de Ouro”), Dorival Caymmi (“Você Já Foi à Bahia?”) e Haroldo Barbosa (“De Conversa Em Conversa”) e sambas-canções de Marino Pinto (“Aos Pés Da Cruz”) e novamente Ary Barroso (na comovente “Pra Machucar Meu Coração”). Duas canções em língua estrangeira também estiveram presentes no roteiro: “Eclipse”, em espanhol, e a italiana “Estate”.
Mas como não poderia deixar de ser, o show, cujo título era “50 Years Of Bossa Nova”, ficou mesmo centrado nas canções de Antonio Carlos Jobim, Vinícius de Moraes e Newton Mendonça. Grande parte das emblemáticas canções da Bossa Nova, como “Chega de Saudade”, “Corcovado”, “Desafinado” (a última do roteiro antes do bis) e “Garota de Ipanema”, foi interpretada por João Gilberto. O público, claro, não se mexia na cadeira e absorvia cada verso e cada batida de violão, como em um verdadeiro concerto de música clássica. Outras canções de Tom, como “Lígia”, “Samba do Avião”, “Este Seu Olhar” e “Wave” também foram executadas. Em algumas delas, João operou pequenas modificações, ora no andamento (em “Chega de Saudade”, chegou até a dar a impressão de que ele queria que o público cantasse com ele), ora nas letras (em “Lígia”, o nome da musa inspiradora não foi citado, e em “Samba do Avião”, o verbo “aterrar”, que às vezes é trocado por “pousar”, foi modificado novamente, dessa vez para “chegar”).
Já no bis, João Gilberto surpreendeu o público ao pedir licença para apresentar uma música que ele gostava muito de cantar quando era criança. Tratava-se da versão em português que João de Barro fez para o clássico norte-americano “God Bless America”, de Irving Berlin. A beleza da letra e da melodia emocionou tanto a brasileiros como a norte-americanos: “Deus salve a América / Terra de amor / Verdes mares / Florestas / Lindos campos cobertos de flor / Berço amigo / Da bonança / Da esperança / Do altar / Deus salve a América / Meu lar, meu lar”. A segunda canção do bis, e que encerrou o espetáculo, não poderia ser outra que não “Garota de Ipanema”. O público ainda tentou insistir que João voltasse ao palco, mas o anúncio de encerramento pelos alto falantes acabaram com a esperança.
Foram quase duas horas de um grande ritual. Se João cantasse por mais outras duas horas, com certeza ninguém iria reclamar. Até mesmo porque alguns clássicos de seu repertório, como “Isto Aqui o Que É?”, “Pra Que Discutir Com Madame?”, “Meditação”, “Bolinha de Papel” e “Aquarela do Brasil” acabaram ficando de fora.
Entre agosto e setembro, João Gilberto vai se apresentar no Rio de Janeiro, São Paulo e Bahia. Será uma grande oportunidade para os fãs brasileiros chegarem a mesma conclusão (cantada por Caetano Veloso na canção “Pra Ninguém”) dos norte-americanos que lotaram o Carnegie Hall: “melhor do que o silêncio só João”.
Abaixo, segue o roteiro completo do show apresentado por João Gilberto no Carnegie Hall:
1) “Doralice”
2) “Chega de Saudade”
3) “Corcovado”
4) “Morena Boca de Ouro”
5) “Preconceito”
6) “O Pato”
7) “Aos Pés da Cruz”
8) “Caminhos Cruzados”
9) “Samba de Uma Nota Só”
10) “Estate”
11) “Wave”
12) “Você Já Foi à Bahia?”
13) “Eclipse”
14) “Pra Machucar Meu Coração”
15) “Brigas, Nunca Mais”
16) “Bahia com H”
17) “Rosa Morena”
18) “Ligia”
19) “Este Seu Olhar”
20) “Samba do Avião”
21) “De Conversa em Conversa”
22) “Desafinado”
23) “Deus Salve a América” (“God Bless America”)
24) “Garota de Ipanema”
Cotação: *****
6 de jul. de 2008
SHOW: JOÃO GILBERTO NO CARNEGIE HALL – UMA NOITE DE ENCANTO E ORGULHO
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João Gilberto
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