8 de nov. de 2010

1 Paul McCartney em Porto Alegre = 55 mil sonhos

Acho que a melhor forma de começar a resenha de qualquer show é mandar logo aquela frase de impacto que melhor resuma o grande momento da apresentação. Geralmente é fácil: quando o tal momento acontece, o primeiro parágrafo da resenha já é desenhado na minha cabeça. Mas e quando essa lista de momentos é tão grande, mas tão grande, que fica difícil começar? Então, como iniciar algo sobre o show de Paul McCartney ontem, no Estádio Gigante da Beira-Rio, em Porto Alegre?

De várias formas. Que tal falar do início de tudo, com a trinca “Venus and Mars” / “Rock show” / “Jet”, igualzinho ao antológico álbum ao vivo “Wings over America” (1976)? Ou então a catarse geral de “All my loving”, primeira canção dos Beatles no roteiro – e terceira da apresentação? E o lado B “Nineteen hundred and eighty-five”, cantada pela plateia como se fosse aquele hit arrasa-quarteirão? “The long and winding road”, que gerou a maior chuva de lágrimas da noite, também seria um bom início para a resenha, não? E “My love”, que Paul dedicou à “sua gatinha Linda”? “Here today”, a linda homenagem a John Lennon? Hum, bom também... E o tributo a George Harrison com “Something”, um dos momentos mais mágicos da noite??

O parágrafo anterior acabou ficando longo demais. E, não, ainda não esgotei os momentos marcantes do show de ontem. Posso continuar? Então vamos lá... Que tal “A day in the life”, a música que tem o acorde final mais impactante da história da música pop – embora esse acorde, no show, tenha sido substituído por uma boa versão de “Give peace a chance”, em mais uma homenagem a Lennon? E o show de explosões e pirotecnia em “Live and let die”? Hum, Paul naquele pianinho colorido da “Magical mistery tour” tocando “Hey Jude”, com um coro de mais de 55 mil pessoas? E imagina só: lá no finalzinho, Paul McCartney ainda chamou duas meninas ao palco para autografar os seus braços. (A essa altura já estão com as tatuagens prontas.) E Paul soltando os demônios na pesadíssima versão de “Helter skelter”, hein? Ah, “Yesterday” que fez justificar os lenços brancos distribuídos pela produção antes de o show começar (“caso você chore”, alertavam as simpáticas mocinhas)? Tudo bem, alguns fãs vão dizer que o momento inesquecível do show foi Paul McCartney cantando “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band” (“We hope you have enjoyed the show”, claro que curtimos). E a derradeira música, “The end”, com aquela imagem do sol se pondo no telão ao fundo do palco??

Viu como é complicado começar uma resenha de um show do Paul McCartney? Pois é...

Algo que me chamou a atenção na apresentação de ontem foi o público. Certamente foi a plateia mais democrática e heterogênea que já vi. Espremido na grade, era possível ver um senhor com os seus sessenta e muitos anos de idade. Logo atrás, um pai (com os seus trinta e poucos) carregando o filho (de cinco anos) no colo. Senhoras, adolescentes, cinquentões, todos unidos ao redor de Paul McCartney. Cinquenta e cinco mil pessoas. Cinquenta e cinco mil sonhos. Afirmo, sem o menor pudor de ser piegas, que nunca vi, na minha vida, comoção igual em um show de música.

A apresentação, marcada para as 21h, iniciou com dez minutos de atraso. E, em duas horas e cinquenta minutos, Paul apresentou 39 músicas, de sua carreira solo e dos Beatles. O repertório já era bem conhecido. Fã que é fã já tinha pesquisado na internet - e sabia cantar todas as músicas de cor. O palco, que ficava em uma das extremidades do estádio, tinha um grande telão ao fundo, que transmitia, em geral, imagens psicodélicas e da plateia, bem como dois telões verticais em cada um de seus lados, imensos, de alta resolução, com as imagens do palco. Nada de passarelas ou de maiores frescuras.



O início com um trechinho de “Venus and Mars” e “Rockshow” pode até ser considerado frio – decerto, Paul já iniciou shows de turnês anteriores com músicas mais apropriadas –, mas quando os primeiros acordes de “Jet” soaram, deu para ter a certeza que, sim, Paul McCartney estava bem ali entre nós, diante de nossos olhos. O que se seguiu foi uma catarse, com momentos mágicos (“All my loving”, “The long and winding road”, a lúdica “Ob-la-di, ob-la-da”, com participação bacana do público), outros mais frios (“Letting go”, a mais recente “Highway”), e surpresas, como “And I love her”, “Drive my car” (que não são tocadas em todos os shows da turnê) e – surpresa das surpresas – uma versão solo, somente com Paul ao ukelelê, de “Ram on”, que havia sido apresentada pouquíssimas vezes nessa turnê.

Como acontece há algumas turnês, nessa “Up and coming tour”, Paul McCartney é acompanhado por uma banda enxuta, formada por Rusty Anderson na guitarra, Abe Laboriel Jr na bateria, Paul ‘Wix’ Wickens pilotando os teclados, e Brian Ray se revezando na guitarra e no baixo. A cada turnê que passa, Paul está, digamos, mais roqueiro. Comparando com o show de 1990 (primeira visita do ex-Beatle ao Brasil), as coisas, agora, estão bem diferentes. O som (que, graças a Deus, estrondou no Beira-Rio) estava pronto para estourar os tímpanos do pessoal localizado bem embaixo dos alto falantes da pista premium, em músicas como “Helter skelter”, a dobradinha “Let me roll it” e “Foxy lady”, de Jimi Hendrix (Abe Laboriel Jr deu um show a parte notadamente nesse momento), “Paperback writer” e “I’ve got a feeling”, que ganhou uma espécie de coda para Led Zeppelin nenhum botar defeito.



Além da boa música, o que fez Paul McCartney cair nas graças do público foi a sua extrema simpatia. Ele pareceu muito feliz durante o show. A sua ligação com o Brasil é forte. Em 1990, o seu primeiro concerto no Maracanã entrou para o Guiness. Às vezes, a gente é obrigado a esbarrar com um bando de artista marrento por aí. E Paul, que até poderia se dar ao luxo de ser besta, realmente se preocupa muito em agradar aos seus fãs. Poxa, imaginar ele chamar duas fãs em cima do palco para dar autógrafo? Ele ainda cantou “Happy birthday” para uma aniversariante na plateia, e, além disso, tudo o que pôde, falou em português, na maioria das vezes, repetindo as frases em busca de uma pronúncia razoável. E ele não ficou apenas no português, diga-se. Os gaúchos quase gozaram quando Paul apelou para o “gauchês”, em expressões como “bah”, “tchê”, “trilegal” e, até mesmo, um corinho de “ah, eu sou gaúcho”. Artistas mais novos (e os mais antigos também), favor, mirem-se no cara...

Uma das perguntas que mais me fazem é: “qual foi o show da sua vida”? Vou responder agora – e já peço perdão pela extensão da lista: Legião Urbana no Metropolitan, R.E.M. na Via Funchal, Oasis gravando o “Familiar to millions” em Wembley, Rolling Stones em seu primeiro show em um ginásio depois de 20 anos (“Bridges to Babylon”, no Madison Square Garden, em 1998), Chico Buarque e o seu “Paratodos”, Dave Matthews Band e quase quatro horas de som no Vivo Rio, os “Tambores de Minas” de Milton Nascimento, Neil Young no Rock in Rio 3, a “Fina estampa” de Caetano Veloso, Cássia Eller colocando mais antimonotonia no veneno de Cazuza, Robert Plant e Jimmy Page em algum Hollywood Rock da vida, Maria Bethânia e a delicadeza de “Brasileirinho”, Jeff Beck arrebentando a sua guitarra no Free Jazz de 1998, George Michael encerrando o Rock in Rio de 1991, João Gilberto e a bela homenagem a Dorival Caymmi no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, The Police fazendo sacudir (literalmente) as arquibancadas do Maracanã...

Todos esses, e mais alguns que a memória não conseguiu resgatar agora, foram os meus shows prediletos.

Ah, e o do Paul McCartney? Que me desculpem todos os outros, mas esse foi hors concours.



Setlist show Paul McCartney em Porto Alegre, 07/11/10:
1) “Venus and Mars” / “Rock show”
2) “Jet”
3) “All my loving”
4) “Letting go”
5) “Drive my car”
6) “Highway”
7) “Let me roll it”
8) “The long and winding road”
9) “Nineteen hundred and eighty-five”
10) “Let ‘em in”
11) “My love”
12) “I’ve just seen a face”
13) “And I love her”
14) “Blackbird”
15) “Here today”
16) “Dance tonight”
17) “Mrs Vandebilt”
18) “Eleanor Rigby”
19) “Ram on”
20) “Something”
21) “Sing the changes”
22) “Band on the run”
23) “Ob-la-di, ob-la-da”
24) “Back in the U.S.S.R.”
25) “I’ve got a feeling”
26) “Paperback writer”
27) “A day in the life” / “Give peace a chance”
28) “Let it be”
29) “Live and let die”
30) “Hey Jude”
31) “Day tripper”
32) “Lady Madonna”
33) “Get back”
34) “Yesterday”
35) “Helter skelter”
36) “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band” / “The end”



Fotos: @gabisiciliano

7 de nov. de 2010

Resenhando: Rolling Stones, Nando Reis, David Bowie, Lenine, Dizzy Gillespie & Trio Mocotó

“Ladies & gentlemen”– Rolling Stones
O Rolling Stones é das bandas mais preocupadas em registrar a sua história para a posteridade. Entra turnê, sai turnê, e o que não falta é DVD e CD ao vivo. Os últimos boxes chegavam a conter três, quatro shows da mesma turnê. Exagero? Pelo menos em se tratando de Rolling Stones, claro que não. Mas havia uma lacuna importante nessa história audiovisual da banda: o vídeo que documentava a turnê norte-americana de divulgação do álbum “Exile on main st.”, de 1972. Faltava. Pelo menos lá fora, a ST2 já colocou nas lojas, em DVD e BD, “Ladies & gentlemen”, o tal vídeo que somente passou em algumas salas de cinema em 1974, e que mostra a banda, certamente em seu auge criativo, ao vivo no Texas. O áudio foi remasterizado e está tinindo. A imagem, às vezes, fica um pouco escura. Mas nada que tire o brilho desse documento tão importante. Em quase hora e meia, os Stones apresentam um roteiro de 15 músicas. Bom, 38 anos depois, todas elas já podem ser chamadas de clássicos. E é exatamente isso que deixa o vídeo ainda mais interessante: ver como a banda apresentava músicas, à época, pouco conhecidas, como “Tumbling dice”, “Happy” e “All down the line”, todas elas do recém lançado “Exile on main st.”. O resto do repertório? “Brown sugar” (a primeira do roteiro, em arrebatadora versão), “Midnight rambler”, a lindíssima “Dead flowers”, “Jumpin’ Jack Flash”, “Street fighting man”... Talvez esse “Ladies & gentlemen” seja o vídeo mais tosco, em termos de produção, dos Rolling Stones. Mas, sem dúvida, é o que melhor mostra o que essa banda – preciso dizer que é uma das três mais importantes de todos os tempos?? – fazia (faz) em cima de um palco.

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“Bailão do ruivão” – Nando Reis e Os Infernais
Quem não tem muito conhecimento da carreira de Nando Reis e pega o seu último CD/DVD “Bailão do ruivão”, não terá dúvidas em afirmar: “Nando Reis se vendeu”. Mas quem já foi a algum show do ex-integrante dos Titãs sabe muito bem que Nando Reis sempre gostou de apresentar algumas músicas, inusitadas para o público, mas em total consonância com a sua memória afetiva. Nando está cantando Wando no “Bailão do ruivão”? Ele já fez isso em vários shows da turnê de “A letra A”. Outras rolaram em algumas apresentações do “Drês” também. Aí o crítico mais chato vai indagar: “Ah, mas no ‘Bailão’ são 19 músicas assim, não?”. Sim, por isso que se trata de um projeto especial na carreira do ex-Titã. Projeto este que, é bom já deixar claro, talvez não agrade a todos os seus fãs, ainda mais depois do lançamento de um álbum tão substancioso quanto o “Drês”, de 2009. Gravado ao vivo no Carioca Club, em São Paulo, esse “Bailão do ruivão” pode passar, inicialmente, uma impressão de que Nando Reis escolheu um repertório cafona, como se estivesse querendo ironizar: “Se é isso que faz sucesso hoje em dia, é isso que vou cantar para vender disco”. Bom, apesar de um Calypso (“Chorando se foi”) aqui, um Wando (“Fogo e paixão”) ali, e um Genival Lacerda (“Severina Xique Xique”) acolá, Nando resgata boas canções de Rita Lee (“Agora só falta você”), Edson Trindade (“Gostava tanto de você”, sucesso na voz de Tim Maia), Bob Marley (“Could you be loved?”, com participação da banda Zafenate, do filho de Nando, Theodoro), Zé Ramalho (“Frevo mulher”) e Johnny Nash (“I can see clearly now”). De sua carreira solo, Nando Reis mostra “Do seu lado”, com Zezé di Camargo & Luciano, e ainda resgata “Bichos escrotos”, dos Titãs. Ao final do DVD fica a dúvida: “Será que o tal bailão é pra ser levado a sério?”. Bobagem pensar nisso. O mais importante é que ele diverte. E muito.

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“Station to station” (Edição especial) – David Bowie
Aposto que 90% dos bowiemaníacos não teriam dúvida em afirmar que o álbum “Station to station” (1976) está em qualquer top 5 do compositor britânico. Eu também não teria dúvidas. “Station to station” é um épico. Tem apenas seis músicas. Como se David Bowie quisesse mostrar que não é necessário mais que seis faixas para se fazer um álbum antológico. E ele conseguiu. “Station to station”, como sugere o próprio título, é um álbum de transição na carreira de David Bowie. Depois do rock no clássico “The rise and fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars” (1972), e em “Aladdin Sane” (1973) e “Diamond dogs” (1974), Bowie flertou de maneira forte com o soul em “Young americans” (1975). Quando os fãs imaginavam que Bowie iria descambar para esse lado, “Station to station” veio como uma surpresa. No álbum de 1976, o cantor misturava tantos ritmos como nunca havia feito em trabalho anterior nenhum. Soul (“Stay”), rock (“TVC 15”), pop (“Word on a wing”), disco (“Golden years”), tudo misturado (na faixa-título) de maneira brilhante. Tudo o que o pós-punk apresentou alguns anos depois, saca? Talvez tenha sido em “Station to station” que David Bowie criou o seu estilo de verdade. Assim, não chega a ser surpresa o fato de o cantor ter escolhido exatamente esse álbum para fazer uma edição bem especial. Além de um box exagerado com cinco CDs, três LPs e um DVD, saiu outro mais em conta (que é o que eu tenho), com o disco “Station to station” com a sua masterização analógica original, e um CD duplo com um show da turnê do álbum, gravado ao vivo no Nassau Coliseum, a 23 de março de 1976. O áudio do show estronda, e posso afirmar, com toda certeza, que se trata do melhor álbum ao vivo lançado por Bowie até aqui – e olha que ele tem um tal de “Stage” (1978) no currículo. São 15 músicas espalhadas em pouco mais de 80 minutos que chegam a ser hipnóticos. Músicas do álbum de estúdio recém lançado convivem com clássicos como “Suffragette city”, “Fame”, “Five years”, “Changes”, “Life on Mars?” (que bela versão!!), “Diamond dogs”, Rebel rebel”, “The Jean Genie”... Tudo isso com David Bowie em seu auge. Altamente recomendável para bowiemaníacos e futuro bowiemaníacos.

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“Trilhas” – Lenine
“Lenine.doc / Trilhas surgiu quando percebi que havia criado um repertório significativo de canções, compostas especificamente para determinados personagens em obras de diferentes veículos e criadores. É um projeto que está intimamente ligado ao exercício da composição. São músicas que povoaram trilhas de novelas, seriados, especiais de TV, cinema, dança e publicidade.” É dessa forma que Lenine apresenta o seu novo álbum, “Trilhas”. E é bom registrar que tal apresentação pode dar uma ideia errada do disco. Ainda mais quando nos lembramos daquelas coletâneas “Novelas” que a Som Livre volta e meia coloca nas lojas, com nomes de artistas que vão de Gal Costa a Roupa Nova. Diferentemente dessas coletâneas caça-níqueis, “Trilhas”, de tão hermético que é, pode ser considerado, um álbum de carreira de Lenine. Ele, inclusive, soa até mais sedutor do que “Labiata” (2008), último trabalho de inéditas do compositor pernambucano. “Trilhas” começa exatamente com “Aquilo que dá no coração”, música de abertura da novela “Passione”. Trata-se de uma das melhores composições de Lenine. Por quê? Porque mesmo tocando diariamente na TV, ela fica, a cada dia, mais gostosa de ser ouvida, com o seu arranjo fantástico de metais, obra de Serginho Trombone. Também de novela, “Agora é que são elas”, de 2003, apresenta um Lenine mais funkeado, assim como “Não faz mal a ninguém”, gravada para a novela “Sete pecados” (2007). O samba “Quatro horizontes”, parceria de Lenine com Pedro Luis (e com participação d’A Parede), para o filme “Diabo a quatro”, é uma das gravações mais deliciosas desse “Trilhas”. O coco “Como é bom a gente amar” (de autoria de Lula Queiroga, para o filme “A pessoa é para o que nasce”) também é outro grande momento, da mesma forma que “Diversidade”, feita especialmente para o ótimo especial “A terra dos meninos pelados”, musical infantil originalmente escrito por Graciliano Ramos, e que foi ao ar pela TV Globo no ano de 2003. Como faixa bônus, “Alpinista social”, música composta para a novela “Lua cheia de amor”, em 1990. Como diz Lenine no encarte, o “início de tudo”. Valeu a pena ter insistido.

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“No Brasil com Trio Mocotó” – Dizzy Gillespie & Trio Mocotó
Quando Dizzy Gillespie visitou o Brasil em 1974, gravou uma sessão com o Trio Mocotó no estúdio Eldorado. O álbum não foi lançado à época de sua gravação porque o editor Norman Granz a considerou não comercial. A fita estava perdida até o ano passado. Finalmente encontrada, foi digitalizada e lançada pela Biscoito Fino. Mas o caminho não foi nada fácil. Na fita não havia indicação de nada: data, músicos, nomes das faixas... Depois de um trabalho minucioso, o produtor, amigo e herdeiro de Dizzy, Jacques Muyal, conseguiu reunir todas as informações. Na verdade, a ideia inicial do criador do be-bop era outra: juntar cem ritmistas brasileiros e gravar um disco. Mas a gravadora Phillips considerou inviável colocar tanta gente dentro de um estúdio. Aí, os executivos sugeriram que Dizzy se reunisse com o grupo Os Originais do Samba. Após alguns ensaios, o trompetista acabou se entrosando mais com o Trio Mocotó, formado por Nereu Gargalo, João Parayba e Fritz Escovão. Só que o resultado acabou esquecido. “Ele [Dizzy] nunca mais deu notícia daquele disco. Uma vez nós o encontramos em Montreux, mas nem ele mesmo lembrava mais daquilo. Acho que não gostou”, disse João Parayba ao repórter Jotabê Medeiros em reportagem para o jornal O Estado de S. Paulo, publicada em maio de 2009. Se ele gostou ou não, vai ser difícil a gente descobrir a uma altura dessa. Mas o resultado daquelas longínquas sessões, que pode ser ouvido agora em “Dizzy Gillespie no Brasil com Trio Mocotó”, é, no mínimo, surpreendente. Dizzy e o Trio Mocotó fazem um “sambe-bop” da melhor qualidade, em faixas deliciosas como “Samba” e “Dizzy’s shout / Brazilian improvisation”, essa última com fortes ecos da Bossa Nova. Já “Behind the moonbeam” lembra, de longe, “Samba de uma nota só” misturada a “Samba do avião”, ambas de Antonio Carlos Jobim. Em “Evil gal blues”, vale destacar a participação da cantora Mary Stallings, anunciada nos anos 70, como “uma das prováveis sucessoras” de Ella Fitzgerald. O final, com “Rocking with Mocotó”, é uma verdadeira apoteose ao samba e ao jazz. Certamente nem os cem ritmistas desejados pelo trompetista norte-americano seriam capazes de fazer algo tão brilhante. Uma preciosidade perdida de Dizzy Gillespie. Antes tarde do que nunca.

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Em seguida, a faixa “Chorando se foi”, do DVD “Bailão do ruivão”, de Nando Reis e Os Infernais, com participação especial de Joelma e Chimbinha, da Banda Calypso:

6 de nov. de 2010

Top 5: Paul McCartney

Amanhã, o sonho de muita gente será realizado. Inclusive deste que escreve essas pessimamente traçadas linhas. Depois de 17 anos, Paul McCartney desembarca mais uma vez no Brasil, para três apresentações. A primeira já será amanhã em Porto Alegre. As outras duas, dentro de duas semanas, em São Paulo.

A partir de sábado, começo a fazer algo diferente aqui no blog. Por falta de tempo, não farei mais a atualização que vocês estão acostumados, com as efemérides e as notícias. Vou tentar coisas diferentes. Já que escrevo resenhas de lançamentos aos domingos, sábado será o dia de brincar um pouco. Pode ser um top 5, uma crônica, um texto viagem qualquer, enfim, vamos ver o que dá certo nesse espaço. E se nada der certo, eu volto ao formato antigo.

Para começar, optei por um top 5 do Paul McCartney. Não poderia ser diferente, por todos os motivos que já expliquei acima. É algo bem pessoal mesmo. Até mesmo porque, dificilmente um top 5 de Paul McCartney será igual a um outro. Um artista que escreveu tantas músicas antológicas e embalou diferentes gerações, acende emoções diferentes nas pessoas. E as minhas são essas aqui:

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5) “The fool the hill”
Quando Paul McCartney tocou pela primeira vez no Brasil, em 1990, com dois shows no Estádio do Maracanã, eu tive que ficar chupando o dedo em casa. Mas vi os melhores momentos na TV. E o que mais me chamou atenção foi “The fool on the hill”, que ele dedicava, naquela turnê, à John Lennon, George Harrison e Ringo Starr. Eu estava com dez anos e já conhecia os Beatles. Tinha alguns álbuns deles que minha mãe havia comprado. Mas eu descobri que os Beatles não faziam música, e sim mágica, com essa interpretação de “The fool on the hill”.



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4) “Here today”
“Eu ainda me lembro como foi antes / E não estou mais segurando as lágrimas.” Paul McCartney escreveu essa letra para “Here today”, melhor faixa de seu melhor álbum solo, “Tug of war” (1982). A música foi gravada poucos dias após o assassinato de John Lennon, em Nova York, no mês de dezembro de 1980. A letra – preciso dizer? – foi feita para o antigo parceiro. Será lindo ver Paul McCartney apresentar essa canção ao vivo aqui no Brasil. Acho que eu também não vou conseguir segurar as lágrimas...



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3) “The long and winding road”
Sempre que vejo os tantos DVDs que Paul McCartney lançou, essa música me toca. Parece que todo mundo da plateia resolve chorar em “The long and winding road”... Pode ser adulto, jovem, criança... Pois é, talvez ela seja a que melhor represente o “the dream is over”. Mas, certamente, também representa alegria, desilusão amorosa, pessoas queridas, tristezas, chifres, enfim, lembranças, lembranças e lembranças. Imagina o que um clássico de 40 anos não representa para milhões de pessoas? Não vai caber tanto dígito em uma máquina de calcular.



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2) “Jet”
O primeiro LP que tive do Paul McCartney foi o “All the best” (1987), que vendeu que nem água aqui no Brasil quando ele veio dar os shows no Maracanã. A primeira faixa do lado A era “Jet”. Pirei. Na ignorância de um moleque de dez anos de idade, descobri que havia Paul McCartney além dos Beatles. Claro que havia: “Band on the run”, “Coming up”, “Silly love songs”, “Let ‘em in”, “Pipes of peace”, “Live and let die”, “Maybe I’m amazed”, “Say say say”... Sabe quando um álbum muda a vida de uma pessoa??



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1) “Golden slumbers” / “Carry that weight” / “The end”
Pode entrar lá no meu Orkut. Desde que criei a conta (em 2004?), tá escrito lá: “And in the end / The love you take / Is equal to the love you make.” Eu realmente acredito nesses versos. “The end” faz parte do medley final de “Abbey road” (1969), que ainda conta com “Golden slumbers” e “Carry that weight”. Na turnê de 1990, Paul McCartney apresentava o medley completo. Agora, ele tem encerrado os seus shows com a dobradinha “Sgt. Peppers Lonely Heart’s club band” / “The end”. Bem que seria bacana ver ao vivo o medley redentor de “Abbey road”. Mas, tudo bem. Só ouvir os três versos de “The end” já será mágico. Tipo aquele minutinho que vou guardar para o resto da vida.



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Querem continuar a brincadeira? Que tal me mandar o seu top 5 do Paul McCartney via Twitter? Para quem não sabe, é esse aqui: @esquinadamusica.