19 de abr. de 2008

CONTRADIÇÕES QUE FORMAM A COERÊNCIA

Faixa 1: uma interpretação visceral e raivosa de uma música do final dos anos 80 (ou seja, já no período democrático), sob um arranjo pesadíssimo (como um réquiem de nossos tempos), cuja letra cospe: “Eu vejo o futuro repetir o passado / Eu vejo um museu de grandes novidades / O tempo não pára”.
Faixa 16: uma interpretação leve e alegre de uma canção do final dos anos 60 (ou seja, no período em que o AI-5 já estava em vigor), sob um arranjo animadíssimo (como um carnaval de nossos tempos), cuja letra vibra: “Tudo é divino maravilhoso / Atenção para o refrão / É preciso estar atento e forte / Não temos tempo de temer a morte”.
A comparação acima não é para mostrar, como muitos já o fizeram, que “Ney fez um disco político” – desculpem-me a ignorância, mas não consegui enxergar absolutamente nada de “político” nesse “Inclassificáveis”, novo trabalho de Ney Matogrosso, o primeiro pela gravadora EMI. A comparação serve sim para mostrar que toda essa contradição é exatamente o mote deste novo disco de Ney.
Contradição pelo fato de ter saído de um trabalho no qual interpretava canções antigas de André Filho, Gilberto Gil e Chico Buarque, partindo para outro com canções de gente jovem como Marcelo Camelo (na já batida “Veja bem, Meu Bem”, que ganhou ares de “tango-rock”) e Dan Nakagawa (na excelente e forte candidata a hit do CD, “Um Pouco de Calor”). Tudo bem que ainda tem espaço para um Chico Buarque aqui (na já clássica “Ode Aos Ratos”) ou um Arnaldo Antunes acolá (no rap “Inclassificáveis”), mas o ar de novidade está sempre presente nesse disco, apesar de algumas escorregadelas, como “Leve”, de Iara Rennó e Alice Ruiz, e “Existem Coisas Na Vida” (Alzira Espindola / Itamar Assumpção), mas nada que atrapalhe muito.
Contradição também pelo fato de seu último disco ter sido um verdadeiro recital no qual se acompanhava de quatro violonistas, enquanto este “Inclassificáveis” é o disco mais pesado de sua carreira. Pesado não no sentido “rockeiro”, mas sim de massa sonora. A ótima mixagem colocou a voz de Ney no ponto certo, de modo que os ótimos arranjos de Emílio Carrera (que já havia trabalhado com Ney nos Secos & Molhados) ficassem em evidência. As duas canções perfeitas para verificar a riqueza dos arranjos são “Fraterno”, boa composição de Pedro Luís, e “Coração, Coragem” (Cláudio Monjope / Carlos Rennó), que flerta com a “disco-music” que Ney namorou nos anos 80 (vide “Amor Objeto”, de 1981).
Outra contradição: misturar canções de seu passado, como “Mal Necessário” (em uma interpretação de Ney tão boa quanto à original, do seu “Feitiço”, de 1978) e “Mente, Mente” (Robinson Borba), chata do mesmo jeito que foi gravada em “Bugre” (1986) a canções absolutamente inéditas, como a faixa-título.
Mais uma contradição: Ney trocou o figurino sóbrio (calça jeans e camisa branca) de seu último show por uma roupa de Ocimar Versolatto (as fotos do encarte são, simplesmente, deslumbrantes), cheia de lantejoulas douradas, e com um capacete, em que o intérprete parece mais um... CAMALEÃO!
A contradição das contradições: apesar de tantas mudanças, Ney prova, a cada disco e show que é um dos artistas mais coerentes de seu tempo. Todas essas contradições, que poderiam ser motivo para muita gente criticar, acabam sendo o grande diferencial de uma carreira única dentro da Música Popular Brasileira.

Cotação: ****

Um comentário:

Anônimo disse...

adorei o texto sobre o disco de ney. parabéns!

inclassificáveis rodará o país até o começo de 2009.

o dvd em breve também estará nas lojas.

obrigado pela divulgação...

www.neymatogrosso.com.br