14 de nov. de 2010

Resenhando: John Lennon, Seu Jorge and Almaz, Ronnie Wood, Elba Ramalho, Seal

“Signature box”– John Lennon
Depois de os Beatles organizarem a sua discografia em luxuosas caixas no ano passado, agora é a vez de John Lennon. A primeira pergunta que o fã (que tem toda a sua coleção) vai fazer é a seguinte: e aí, vale a pena? Para mim, que não tinha a sua discografia toda, valeu (a princípio). Mas também acho que, diferentemente dos boxes dos Beatles, esse de John Lennon deixou a desejar em alguns pontos. Em primeiro lugar, “Signature box” (caixa luxuosíssima por sinal, toda branca e cheia de frescuras, além de um bonito booklet, CDs em formato digipack, e imagens de desenhos de Lennon) conta apenas com os álbuns “Plastic Ono Band” (1970), “Imagine” (71), “Some time in New York City” (72), “Mind games” (73), “Walls and bridges” (74), “Rock and roll” (75), “Double fantasy” (80), “Milk and honey” (póstumo, de 1984), além de um CD com seis singles (23 minutos) lançados por John Lennon e Yoko Ono, como “Cold turkey” e “Give peace a chance”, e um outro de demos. Ou seja, ficaram de fora, sabe-se lá por qual motivo: os trabalhos experimentais de John e Yoko (“Two virgins”, de 1968, “Life with the lions” e “The wedding álbum”, ambos de 1969), o a vivo “Live Peace in Toronto” e a nova mixagem de “Double fantasy”. (Ou seja, minha coleção permanece incompleta.) Também não há mais nenhuma raridade, sobra de estúdio, gravação ao vivo ou afins, além dos 48 minutos do CD de demos. Falar da obra de John Lennon seria mais do mesmo. Patinando entre álbuns brilhantes (“Plastic Ono Band”) e sofríveis (“Some time in New York City”), a sua obra está longe de ser coesa, mas, claro, é boa, de um modo geral, como comprovam os álbuns “Mind games” e “Double fantasy” – este último ganhou uma mixagem muito satisfatória (vendida apenas em CD avulso), que dá mais ênfase à voz de Lennon, deixando o som um pouco mais cru. Já o áudio dos CDs originais de estúdio (e que estão incluídos no box) foi melhorado – ficou mais nítido –, mas nada tão sensacional quanto o trabalho feito com os álbuns dos Beatles no ano passado. Talvez para o fã mais radical, essa “Signature box” valha o caro investimento. Para o fã ocasional, melhor ficar com a coletânea “Power to the people – The hits”, especialmente a versão dupla, que, além do CD com 15 sucessos, traz um DVD (que também não consta no box) com os videoclipes das respectivas canções.

*****

“Seu Jorge and Almaz” – Seu Jorge and Almaz
Acostumado a lotar os seus shows pelo país, Seu Jorge resolveu deixar um pouco de lado o seu estilo mais popular, para gravar um álbum, digamos, indie, voltado para o mercado internacional. Para tanto, ele se juntou a uma superbanda, formada por Pupillo (bateria e percussão), Lucio Maia (guitarra, integrante da Nação Zumbi) e Antonio Pinto (baixo, cavaquinho e teclados). O resultado, irregular, vacila entre altos e baixos. O repertório, que vai de Jorge Ben a Nelson Cavaquinho, passando por Noriel Vilela, Tim Maia, Baden Powell e Rod Temperton, é composto por 12 faixas, nenhuma assinada por Seu Jorge. De um modo geral, as novas versões ficaram bem diferentes das originais. E aí reside o diferencial do álbum. Muita gente vai gostar e muita gente vai odiar. Por exemplo, “Cristina”, de Tim Maia, ganhou um andamento mais arrastado, com ênfase na guitarra de Lucio Maia, bem distinta da versão balançante do Síndico. “Rock with you”, de Rod Temperton (e que fez sucesso na voz de Michael Jackson), virou um reggae-soul com a voz grave de Seu Jorge. Também bem diferente da versão de Jacko. Já a gema de Nelson Cavaquinho, “Juízo final”, virou um samba-indie muito interessante – talvez seja a melhor faixa do álbum. O mesmo, no entanto, não pode ser dito de “Errare humanum est”, de Jorge Ben. Cheia de climas, a nova versão do cantor fluminense ficou desnecessariamente pesada demais, sem o frescor da gravação do Babulina. O afro-samba “Tempo de amor”, de Vinicius de Moraes e Baden Powell ganhou uma versão que mais parece trilha para um filme de terror (e isso não é uma crítica), com Seu Jorge abusando da sua voz grave – em alguns momentos, ficou muito parecido com o Arnaldo Antunes. Enfim, “Seu Jorge and Almaz” é um trabalho bem diferente na carreira de Seu Jorge. Nem melhor, nem pior. Apenas um pouco diferente.

*****

“I feel like playing” – Ronnie Wood
Geralmente álbuns solos de integrantes de bandas muito consagradas não dizem muita coisa. Tipo, “ah, o cara quer se desligar um pouquinho da sua banda e vai gravar um álbum meia-bomba com os amigos”. De fato, Ronnie Wood, dos Rolling Stones, se juntou a diversos amigos para gravar “I feel like playing”, seu primeiro disco solo desde “Not for begginers” (2003). Mas, de encontro a regra geral, o guitarrista mostra que tem muito a dizer em seu trabalho solo. Encharcado de referências, o álbum pode até mesmo ser considerado um dos melhores lançados por qualquer integrantes dos Stones em carreira solo. A voz de Wood, todos sabemos, não é lá essas coisas, mas a sinceridade de suas canções deixa esse detalhe em segundo plano. Aos 63 anos, o guitarrista entrou em estúdio com amigos apenas para gravar “Spoonful”, de Willie Dixon. As coisas começaram a fluir, e veio uma música atrás da outra, como “100%”, “Tell me something, “Fancy pants” e “Sweetness my weakness”, essa última, segundo Wood, foi uma homenagem ao recém-falecido compositor e cantor Gregory Isaacs. O reggae conta com a participação especial de Slash na guitarra. Aliás, participações bacanas não faltam em “I feel like playing”. O ex-Guns n’ Roses mostra a sua habilidade na guitarra em cinco faixas do álbum. Além dele, Billy Gibbons (ZZ Top), Bobby Womack, Flea, Darryl Jones, Bernard Fowler, Steve Ferrone e Waddy Watchel também abrilhantam “I feel like playing”. Eddie Vedder, por sua vez, é co-compositor da stoniana “Lucky man” (com Womack nos backing vocals e o produtor Bob Rock na guitarra). Mas para os saudosos dos Rolling Stones, a que mais lembra a banda é “I don’t think so”, com um riff que deve ter deixado Keith Richards verde de inveja. E, como se não bastasse, a faixa de abertura, a folk “Why you wanna go and do a thing like that for”, é daquelas que vai figurar fácil, fácil, em qualquer listinha de bom gosto com as melhores músicas de 2010.

*****

“Marco Zero – Ao vivo” – Elba Ramalho
Chega uma hora em que o artista deve olhar pra trás, rever a sua carreira, para ter novas ideias para futuros projetos. O clássico “um passo pra trás para dar dois a frente”, diriam alguns. E é isso que faz Elba Ramalho em seu novo CD, “Marco Zero – Ao vivo”. Show de Elba Ramalho é animação na certa. Não tem erro – a não ser que você esteja de péssimo humor. “Marco Zero” prova essa afirmativa. Elba Ramalho, com a voz tinindo, interpreta os seus maiores sucessos, colecionados em 31 anos de carreira discográfica – a sua estreia aconteceu em 1979, com o álbum “Ave de prata”. Antes do primeiro disco, Elba gravou “O seu amor”, em dueto com Marieta Severo, no álbum lançado por Chico Buarque em 1978. Essa faixa está presente (em dueto com Alcione) em “Marco Zero”, o que denuncia o seu caráter retrospectivo. Sucessos não faltam no CD gravado em março, no Centro Histórico de Recife: “De volta pro aconchego”, “Frevo mulher”, “Morena de Angola”... Pena que “Banho de cheiro”, uma das músicas mais emblemáticas de sua carreira, tenha ficado de fora. Durante o show, Elba ainda recebeu diversos convidados, como Geraldo Azevedo (“Canta coração” e a linda “Chorando e cantando”), Lenine (em ótima versão para “Queixa”, de Caetano Veloso), Zé Ramalho (“Admirável gado novo” e “Chão de giz”), o excelente sanfoneiro Cezinha (“É só você querer”) e André Rio (“Chuva de sombrinha”). Aguardamos o DVD para a festa ser completa.

*****

“Commitment” – Seal
Quando iniciou a sua carreira, em 1991, Seal era um dos artistas mais “cool” do período. O seu primeiro álbum (“Seal”) era sinônimo de modernidade, com faixas como “Killer”, “The beggining” e, claro, “Crazy”. Em seus trabalhos seguintes, Seal deslizou entre baladas (o auto-denominado álbum de 1994) e a eletrônica (no mediano “System”, de 2007). Em 2008, o cantor britânico colocou nas lojas “Soul”, um disco quadradão com covers de clássicos de gente como Sam Cooke, James Brown e Al Green. Como se não bastasse, “Soul live” (2009) repetia todas as faixas de seu antecessor de estúdio. Esgotamento artístico? Não, se levarmos em conta “Commitment”, novo álbum do cantor, que acaba de chegar às lojas. Produzido pelo mesmo David Foster (de “Soul”), esse novo álbum mostra todas as facetas de Seal, para o bem e para o mal – mas muito mais para o bem, nesse caso. A faixa de abertura “If I’m any closer” apresenta um Seal que já estava dando saudades: deliciosamente pop, dançante, o vozeirão rascante e macio ao mesmo tempo, uma pitada de soul, enfim, a receita de Seal em seus melhores tempos. Receita que é seguida na bonita balada “All for love”, na eletrônica “The way I lie” e na classuda “You get me”. “Commitment” talvez seja o trabalho mais introspectivo de sua carreira. E, certamente, era disso mesmo o que ele estava precisando. Enfim, a sua carreira discográfica encontrou o trilho que estava faltando desde meados da década passada. Que continue assim.

*****

Logo abaixo, “Everybody loves the sunshine”, do novo projeto de Seu Jorge: