O fato de Marcelo D2 ter deixado de lado o rap para gravar samba em seu novo álbum, “Canta Bezerra da Silva”, não chega a ser uma novidade. Isso porque, desde que iniciou a sua carreira solo, D2, a procura da batida perfeita, já vem flertando com o estilo, e, principalmente, porque o rap pode ser considerado um primo do samba, eis que também dá voz aos ditos excluídos. Assim, não é nenhuma surpresa o novo álbum de D2 cair muito bem. A homenagem foi muito bem feita, em todos os detalhes, da capa (sensacional, que parodia a do disco “Eu não sou santo”, gravado por Bezerra da Silva em 1992, e na qual o sambista é crucificado com armas nas mãos) à escolha do repertório (que misturou sucessos a coisas mais obscuras), passando, lógico, pela boa interpretação – “malandra”, como tem que ser – e o ótimo acompanhamento musical, do produtor Leandro Sapucahy (que também toca percussão em todas as faixas, e canta em “A necessidade”) ao arranjador Jota Moraes. No álbum, D2 se arrisca em diversos gêneros do samba, como o partido alto – “Minha sogra parece um sapatão” é um dos melhores momentos do disco. Outro destaque que segue o mesmo espírito é “Quem usa antena é televisão”, com uma letra fantástica de Celsinho da Barra Funda e Pinga. Já “Malandragem dá um tempo” (bem conhecida pela versão roqueira do Barão Vermelho) volta às suas origens, com bons vocais de D2, assim como “Pega eu (O supra sumo da honestidade”), outro clássico da malandragem carioca. A crônica do morro de Bezerra da Silva revive na voz de Marcelo D2.
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“Flamingo” – Brandon Flowers
Se no futuro algum desavisado incluir “Flamingo” na discografia do The Killers, ele pode ser absolvido desde já. Explico: “Flamingo”, primeiro álbum solo de Brandon Flowers, vocalista do Killers, é bem parecido (para não dizer igual) com o que a sua banda andou fazendo em seus últimos trabalhos, especialmente em “Day & age” (2008). Do som quadriloquente (que esbarra na cafonice, como na faixa de abertura, “Welcome to fabulous Las Vegas”) à escolha do produtor Stuart Price, que também trabalhou no último álbum do The Killers, a impressão que ficou foi a de que Flowers não quis arriscar. Nem a mãozinha do produtor Conan O’ Brien em algumas faixas consegue dar muita liga ao conjunto de canções. Mesmo assim, ainda há momentos bons no álbum, casos da soturna “On the floor” e de “Was it something I said?” (que faz até lembrar que o Killers já gravou um álbum legal, como “Hot fuss”, em 2004). Ambas as faixas dão uma boa ideia do que “Flamingo” poderia ter sido caso Brandon Flowers tivesse seguido um caminho diferente de sua banda que lhe trouxe fama. “Playing with fire”, com uma melodia bem diferente, começa bem, até explodir naquele famoso tipo de refrão que o The Killers adora. (Como irei descrevê-lo em palavras?? Hum, tipo um sol se abrindo no horizonte depois da tempestade... Captou a ideia??) Veja bem: quem é fã do som do The Killers, certamente, não reclamará de “Flamingo”. Brandon Flowers permanece em sua zona de segurança e de conforto. Não que isso seja uma crítica. Mas fica a pergunta: para quê se “arriscar” em uma carreira solo desse jeito?
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“Primeiras andanças – Os dez primeiros anos” – Beth Carvalho
Parcialmente afastada dos palcos e do estúdio por conta de um problema na coluna, Beth Carvalho aproveita para colocar um pouco de ordem em sua rica discografia. O produtor Marcelo Fróes, com o seu selo Discobertas, agrupou parte das gravações iniciais da cantora no box “Primeiras andanças – Os dez primeiros anos”, com cinco CDs. Boa parte das faixas já havia sido lançada em CD, seja em coletâneas ou nos próprios álbuns originais, só que em edições pobres e descuidadas. “Primeiras andanças” tem o mérito de organizar a obra inicial de Beth Carvalho. Os dois primeiros CDs (por sinal, os dois mais interessantes pelo valor histórico, intitulados “Primeiras andanças, vols. 1 e 2”) são coletâneas de fonogramas raros da cantora, muitos gravados para festivais, compactos ou álbuns de outros artistas. Interessante notar, no primeiro volume, que a futura madrinha de Zeca Pagodinho ainda não investia no samba, como pode ser ouvido em faixas como “Namorinho” (com arranjo de Eumir Deodato) e “O sim pelo não”, gravado em dupla com Agostinho dos Santos. Já o volume 2 apresenta o embrião da carreira que a cantora viria a seguir, especialmente na faixa “Meu perdão”, de Nelson Cavaquinho e de Guilherme de Brito, lançada apenas na trilha sonora da novela “Pecado capital” (1975). Mas no mesmo CD ainda é possível ouvir uma Bossa Nova como “Essa passou”, parceria de Chico Buarque e de Carlos Lyra, e com acompanhamento do Som Três, de Cesar Camargo Mariano. No álbum “Canto por um novo dia” (1973), Beth Carvalho ainda não consegue mostrar a sua veia sambista, eis que limitada aos arranjos do mesmo Cesar Camargo Mariano. E para quem gosta da Beth Carvalho sambista de verdade, o negócio pega fogo mesmo em “Pra seu governo” (de 1974, com arranjos de Paulo Moura, e com o cavaquinho de Nelson Cavaquinho em “Miragem”, de autoria do próprio e de Guilherme de Brito) e “Pandeiro e viola” (do ano seguinte, e muito mais pra cima, por conta dos arranjos de Ed Lincoln), dois álbuns (assim como “Canto por um novo dia”) gravados para a extinta gravadora Tapecar – a sua primeira gravadora, a EMI-Odeon, não topou lançar um disco de sambas, porque já tinha Clara Nunes em seu elenco (a velha mentalidade tacanha dos executivos de gravadoras). Novas andanças de Beth Carvalho serão bem-vindas, seja no aguardadíssimo disco de inéditas ou em caixas como essa, perpetuando a sua obra.
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“Hurley” – Weezer
Deve ter coisa de um mês, um fã do Weezer lançou uma petição na internet para arrecadar dez milhões de dólares. Finalidade: doar tudo para a banda e fazer com que ela se aposentasse. “Todo o ano, Rivers Cuomo jura que mudou, e que o seu próximo álbum será a melhor coisa que fez desde ‘Pinkerton’. E o que acontece? Mais uma pilha de besteiras como ‘Beverly Hills’ ou ‘I’m your daddy’”, escreveu o organizador da petição, James Burns. Bom, então vamos falar de “Hurley”, novo álbum do Weezer. A veia sarcástica de Rivers Cuomo parece estar intacta, a começar pela ideia da bizarra capa, com a foto de... Hurley, personagem do seriado “Lost”. As letras também estão bacanas, cheias de ironias finas e boas sacadas. O problema está (talvez) na sonoridade. Não que “Hurley” seja ruim. Longe disso. Mas quando a banda chega a um nível elevado, as comparações são inevitáveis. Até mesmo como diz a petição de Burns: “É uma relação abusiva e tem que parar já. Estou cansado de ver os meus amigos decepcionados todo ano. Se todas as 852 mil pessoas que compraram ‘Pinkerton’ doarem 12 dólares, alcançaremos o nosso objetivo”. O problema está aí. O que esperar de uma banda que gravou um álbum magnífico como “Pinkerton” (1996)? Outro “Pinkerton”? Na cabeça do fã mais radical, sim. Mas sabemos que isso nem sempre é possível. Então sobram discos como o “Red album” (2008) e “Hurley”. Se “Raditude” (2009) é algo que realmente Cuomo deve se envergonhar, “Hurley” é mais parecido com o disco vermelho: uma boa coleção de músicas, que, no final das contas, diverte (mas não emociona). Exemplos? A rapidinha “Ruling me”, com um refrão delicioso, ou então a baladinha acústica “Unspoken”, ou então a eletrônica “Smart girls”, ou então a engraçada “All my friends are insects”, presente só na versão especial do álbum... Nessa mesma edição, há um cover de “Viva la vida”, do Coldplay. Desnecessário, diga-se, ainda mais o comparando com a versão original ou então com a catártica interpretação do Pet Shop Boys. Mas, no fundo, no fundo, o álbum é legal. Assim como o Hurley.
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“Perfil” / “Íntimo” – Ivan Lins
Embora Ivan Lins não esteja sempre nas grandes mídias, os seus fãs não têm do que reclamar. Volta e meia ele aparece por aí com algum lançamento bacana. E, dessa vez, foram dois de uma vez. Vamos começar pelo “Perfil”, série da gravadora Som Livre que já lançou coletâneas de diversos artistas, de Chico Buarque a Fernanda Abreu. Bom, o “Perfil” de Ivan Lins é diferente. Apesar de tratar-se de uma coletânea como as outras da coleção, em seu álbum, Ivan Lins resolveu fazer algo diferente: foi para o estúdio com uma superbanda (com craques como o baterista Téo Lima e o percussionista Sidinho Moreira), e regravou 16 de seus maiores sucessos, incluindo “A noite” (em dueto com Jorge Vercillo), “Dinorah, Dinorah” (com um andamento mais desacelerado), “Deixa eu dizer” (que ganhou um arranjo mais funkeado, inspirado no sampler de Marcelo D2, em sua “Desabafo”, de 2008) e a dobradinha “O amor é o meu país / Meu país”. O outro lançamento é “Íntimo”, disco gravado na Holanda (e produzido pelo baixista Ruud Jacobs), e que já havia sido lançado na Europa, sob o título “Intimate”. Nesse trabalho, Ivan Lins apresenta novas composições com o seu principal parceiro, Vitor Martins. A faixa de abertura, “Tanto amor”, mostra que a dupla ainda está muito bem afiada. Quem participa da faixa é o trompetista Till Brönner. Aliás, convidado é que não falta em “Íntimo”. E o time é de respeito, saca só: as cantoras holandesas Trijntje Oosterhuis e Laura Fygi, Jorge Drexler (que dá um sabor especial à composição dos dois, “Diadema”), o grupo vocal Take 6 (um pouco insosso na dobradinha “Nosso acalanto” / “That’s Love”) e Alejandro Sanz, que, como de costume, não diz ao que veio em “Llegaste (Vieste)”. A melhor do álbum é a parceria de Ivan com Chico Buarque (“Sou eu”), com uma letra deliciosa: “Na minha mão o coração balança / Quando ela se lança no salão / Pra esse ela bamboleia / Pra aquele ela roda e saia / Com outro ela se desfaz da sandália”)”. No final das contas, entre a repetição de “Perfil” e a irregularidade de “Íntimo”, fica a certeza de que, pelo menos, Ivan Lins não deixa os seus fãs na mão.
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Abaixo, “Malandragem dá um tempo”, na voz de Marcelo D2: