24 de out. de 2010

Resenhando: Vanessa da Mata, Neil Young, Adriana Partimpim, Leonard Cohen, Zeca Pagodinho

“Bicicletas, bolos e outras alegrias”– Vanessa da Mata
Sempre quando ouvia algum álbum da Vanessa da Mata, tinha algo que me incomodava. Não sabia exatamente o que era. Certamente não era a sua voz, nem as suas composições, e nem a sonoridade de suas músicas. Então, o que seria? Na primeira audição de “Bicicletas, bolos e outras alegrias”, eu descobri. Faltava punch, se é que vocês me entendem. Em seus trabalhos anteriores, a impressão que eu sempre tinha era que Vanessa poderia ir muito além, mas ficava presa a certos padrões pré-estabelecidos. E isso não acontece em seu novo álbum, que chegou às lojas na semana passada. Resultado? “Bicicletas, bolos e outras alegrias” já é, fácil, fácil, um dos melhores álbuns lançados em 2010. Contando com a produção de Kassin, e com músicos fantásticos como Donatinho (teclados), Gustavo Ruiz, Fernando Catatau (ambos na guitarra) e Stephane San Juan (percussão), o álbum é riquíssimo musicalmente, repleto de referências, como acontece em “Bolsa de grife”, tropicalista até a alma, com uma guitarra a la Lanny Gordin. “Fiu fiu” com a sua levada mais funkeada também é outro belo destaque (saca a letra de Vanessa da Mata: “Nós não nos entendemos como antes / Eles adoram mulheres air bag / E nós emagrecemos para as amigas / Inimigas todas”), assim como a faixa-título. Para terminar, uma parceria da própria Vanessa com Gilberto Gil, “Quando amanhecer”, com a participação do baiano, na voz e no violão. Em suma, um disco que talvez só não seja tão delicioso quanto o “Bolo da Vó Sinhá”, cuja receita está no encarte do CD. Eu provei, e é muito bom.

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“Le noise” – Neil Young
Que Neil Young é chegado a gravar uns álbuns estranhos, isso não é segredo para ninguém. Nos anos 80, a sua gravadora chegou até a processá-lo, por entregar um disco completamente fora dos padrões esperados. “Le noise”, que saiu lá fora há umas duas semanas, entra no rol desses trabalhos estranhos. Esqueça a Crazy Horse ou qualquer outra banda com aqueles amigos de Neil Young. Em “Le noise”, o barulho mesmo só sai da guitarra, do violão e da garganta do compositor canadense. São apenas oito faixas espalhadas em 38 minutos. Mas é o suficiente. Da raivosa faixa de abertura, “Walk with me”, cheia de guitarras distorcidas, até a soturna “Rumblin’”, Neil Young desfia a delicada “Peaceful valley boulevard” (que lembra até as coisas de “Harvest”, de 1972), transborda energia na antológica “Hitchhiker”, e destila o seu veneno em “Love and war”, quando prova que não é necessário berrar tanto para dar mais uma pancada na política belicista norte-americana. Com a produção de Daniel Lanois, Neil Young gravou um de seus álbuns mais estranhos... e mais substanciosos. Certamente a gravadora não terá do que reclamar.

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“Dois é show” – Adriana Partimpim
Adriana Calcanhotto sempre tratou os seus fãs com muito respeito, gravando álbuns sofisticados, e apresentando shows que vão além da ideia do disco originário. E pode-se dizer que Adriana Partimpim segue os mesmos passos de sua “mentora”. Após dois álbuns de estúdio e um DVD, Partimpim chega agora com “Dois é show”, registro audiovisual do show do álbum “Dois” (2010). Exagero lançar um DVD logo agora? Ainda mais repetindo as mesmas músicas dos três trabalhos anteriores (a única exceção é “Um leão está solto nas ruas”, de Rossini Pinto, e que foi sucesso na voz de Roberto Carlos, na época da Jovem Guarda)? Pode parecer que sim, mas não é o caso. Em “Dois é show”, Partimpim vai muito além dos registros anteriores, dando muito mais peso a canções como “Baile Particumdum” (da própria e de Dé Palmeira), que virou um legítimo frevo sensacional. Ou então em “Lig-lig-lig-lé” (Oswaldo Barbosa / Paulo Barbosa), muito mais encorpada que nas duas gravações anteriores. A cenografia do espetáculo merece um comentário a parte. Em um palco decorado cheio de brinquedinhos e instrumentos fofos, Adriana Partimpim se transforma em robô, em bailarina (com uma saia de guarda-chuva bem original, durante “Ciranda de bailarina”, de Chico Buarque e Edu Lobo) e ainda vai embora voando do palco, no melhor estilo Michael Jackson – a comparação foi inevitável, perdoem-me. Não dá nem para notar a ausência do sucesso “Fico assim sem você”, que está apenas nos extras do DVD, fora, portanto, do roteiro original do show. A Samba Filmes, como de costume, foi primorosa na edição do vídeo, com tomadas de imagens de muito bom gosto. E a banda que acompanha Partimpim... Moreno Veloso, Davi Moraes, Alberto Continentino, Rafael Rocha e Domenico Lancellotti dispensam maiores apresentações. Taí, essa menina Partimpim tem futuro.

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“Songs from the road” – Leonard Cohen
Leonard Cohen é daquele tipo de artista genial que não se coça muito para gravar material novo. Quando precisa de uma graninha, sai em turnê com shows que beiram as três horas de duração, canta todos os seus sucessos, e lota as casas de espetáculo e estádios pelos quais passa. Em 2008, ele lançou o CD duplo e DVD “Live in London”, com a íntegra de uma dessas apresentações, na O2 Arena. Cohen deleita a plateia com um punhado de clássicos do nível de “Hallelujah”, “Suzanne”, “I’m your man”, “Sisters of mercy”, “So long, Marianne” etc. etc. etc. Agora é a vez de “Songs from the road”, CD/DVD/BD só lançados lá fora até agora, e que apresentam doze canções apresentadas na mesma turnê. Algumas se repetem no “Live in London”, como “Closing time” e “Bird on the wire”. As execuções das mesmas também é praticamente a mesma nos dois discos. Então, qual a diferença? A principal mesmo é o fato de ser Leonard Cohen. Se isso não for o bastante para você, junte o fato de cada música ter sido gravada em um local diferente, de Israel à Finlândia, passando pela Suécia, Alemanha e Estados Unidos, na já mítica apresentação de Leonard Cohen no Coachella Musica Festival de 2008 (sinta no vídeo a arrepiante interpretação para “Hallelujah”). Acresça a isso as músicas que não fizeram parte de “Live in London”, como “Famous blue raincoat”, “Avalanche”, “The partisan” e uma versão animal de “Waiting for the miracle”. Você continua achando que não vale dar uma olhadinha em “Songs from the road”?

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“Vida da minha vida” – Zeca Pagodinho
Pode ter certeza que, daqui a muitos e muitos anos, quando alguém for eleger o top 5 de Zeca Pagodinho, o álbum “Vida da minha vida” fará parte dele. Desde o estouro do sambista com “Verdade”, lá no finalzinho da década de 90, sinto que os seus álbuns são gravados de forma industrial, seguindo certas fórmulas de mercado que já estavam cansando (com exceção do ótimo “Acústico MTV 2 – Gafieira”, de 2006). “Vida da minha vida” é diferente, como um álbum de samba dos velhos tempos. A voz de Zeca está muito mais bonita (a vida de avô, pelo jeito, tem lhe feito bem), e até mesmo a ideia de gravar um sambão antigo de Gilson (“Poxa”) caiu muito bem. O que poderia sugerir oportunismo acaba se transformando em pura sinceridade nos versos “Poxa / Como foi bacana te encontrar de novo”. “Vida da minha vida”, certamente, apresenta a melhor seleção de sambas já gravados por Zeca Pagodinho. “Hoje sei que te amo”, de Nelson Rufino, é daquele tipo de samba que já nasce clássico: “Vem matar a saudade que está me matando / Ameniza, por Deus, esse meu padecer / Foi preciso perder pra saber que eu te amo / Saber que eu não posso viver sem você”. Letra simplesinha, né? Mas ouça só a música. “Encanto de paisagem” (de Nelson Sargento, e com participação do mesmo) faz uma ode aos morros, e “Quem passa vai parar” (uma espécie da sambossa) conta com a voz de Alcione. Destaque também para “Um real de amor”, de Fagner e Brandão, e que já havia sido gravada pelo cantor cearense junto com Zeca Baleiro, no projeto conjunto dos dois, em 2003. Zeca deu nova vida à canção, que, diga-se de passagem, ficou bem melhor na sua voz. E mesmo apelando para aquele tipo de personagem fanfarrão que sempre aparece em seus discos (agora é a vez de “O garanhão” e de “O puxa-saco”), a peteca não cai em “Vida da minha vida”. “Poxa / Como foi bacana te encontrar de novo...”

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Em seguida, “Bolsa de grife”, a melhor faixa de “Bicicletas, bolos e outras alegrias”, de Vanessa da Mata: