Faz tanto tempo que Gilberto Gil lançou um álbum essencialmente autoral e inédito – o último foi “Quanta”, de 1997 –, que chega a ser até estranho ter um novo CD de Gilberto Gil em mãos. Tudo bem que nesse período, Gil fez um show histórico (“Eu, Tu, Eles”, que gerou o CD e DVD ao vivo “São João Vivo”) e gravou um CD brilhante com as canções de Bob Marley (“Kaya N’ Gan Daya”, de 2002). Mas álbum de inéditas que é bom, nada. Talvez por isso que “Banda Larga Cordel”, novo CD do compositor-ministro, tenha sido recebido com tanta frieza pela crítica. Bem diferente de um “Carioca” (Chico Buarque) ou de um “Cê” (Caetano Veloso), por exemplo.
Contando com a produção do experiente, “Banda Larga Cordel” é, de certa forma, um disco surpreendente. E a primeira conclusão que pode ser tirada após a primeira ouvida é que foi uma boa idéia adiar o disco de sambas que Gil pretendia gravar. Certamente um CD composto exclusivamente de sambas seria tomado por um repertório não autoral. E a canção “Formosa” (de Baden Powell e Vinícius de Moraes), apesar do ótimo arranjo com clima de gafieira, mostra que um disco estritamente na seara do samba, poderia soar um pouco burocrático e frio.
Sorte do ouvinte, que tem a oportunidade de relembrar o grande compositor que Gilberto Gil é. Como o próprio título já adianta, em “Banda Larga Cordel”, o cantor baiano mistura a modernidade com o passado. E a primeira faixa do CD, “Despedida de Solteira”, é uma síntese do trabalho. O xote com fortes referências da música nordestina ganha uma sonoridade moderna e uma letra genial que fala do casamento de duas cabritas. Outra que segue o mesmo estilo é “Não Grude Não”, que lembra, logo de cara, os melhores momentos do show “São João Vivo”. Pena que a eletrônica predomine no arranjo, pois o pífano de um Carlos Malta ia ficar sensacional. E por falar em eletrônica, a francesa “La Renaissance Africane” abusa tanto dela, que se transforma no maior equívoco do CD. Chegou até a lembrar alguns trabalhos bem duvidosos que Gil fez nos anos 80... “O Oco Do Mundo”, apesar de sua bela letra, também soa industrializada demais para a obra de Gilberto Gil.
Algumas letras de Gil neste novo trabalho chegam a ser deslumbrantes. A confessional “Não Tenho Medo Da Morte” (“Não tenho medo da morte / Mas sim medo de morrer / Qual seria a diferença / Você há de perguntar / É que a morte já é depois / Que eu deixar de respirar / Morrer ainda é aqui / Na vida, no sol, no ar”) é sublime. O seu arranjo orquestrado é um dos grandes momentos de “Banda Larga Cordel”. Em “Olho Mágico”, Gilberto Gil faz uso da metalinguagem para escrever outra grande letra. A poesia, repleta de rimas pobres – no sentido acadêmico da expressão, por favor – contém versos brilhantes, como “Você quer a rima fácil / Como se eu fosse um poeta / De proveta ou de prancheta / Que saco, que saco”.
“A Faca e o Queijo” é uma declaração de amor de Gil para a sua esposa, Flora. Uma declaração, por sinal, sincera demais: “A velha chama da paixão / Não nos inflama mais / Com tanto ardor / Como na época em que éramos / A faca e o queijo”. Já a faixa-título é uma espécie de “Pela Internet” (carro-chefe do álbum “Quanta”, de 1997) atualizada. Sempre a frente de seu tempo, Gil mistura a linguagem eletrônica (iPod, www, youtube) com outras coisas, digamos, um pouco antigas, como Guimarães Rosa, “Bim Bom”, o rei Salomão e Camões. “Máquina de Ritmo” também fala do mundo digital: “Tão prática, tão fácil de ligar / Nada além de um botão / Sob a leve pressão do polegar”.
E para dizer que Gilberto Gil não abandonou o seu projeto de sambas, além de “Formosa”, o novo álbum tem alguns outros sambas de autoria do próprio baiano. “Canô”, uma espécie de ‘samba eletrônico’ foi feito em homenagem à mãe de Caetano e Bethânia, que completou 100 anos. Já “Samba de Los Angeles” – na verdade um samba bem baiano – segue uma estrutura mais tradicional, parecida com a versão original da canção, já presente no disco “Nightingale”, que Gil gravou para o mercado norte-americano no final dos anos 70. Nesse novo arranjo, o grande destaque é o bandolim de Sergio Chiavazzoli. “Amor De Carnaval”, com a sua curta letra, é tão elegante, que lembra Paulinho da Viola em seus melhores momentos.
Mesmo que “Banda Larga Cordel” ainda esteja um pouco aquém da melhor parte da obra de Gilberto Gil, o disco não pode passar em branco. E que ele anime Gil a largar um pouco o paletó e gravar com mais regularidade. Os fãs sentem saudades.
Abaixo, uma versão acústica da faixa-título do disco, gravada poucas horas após Gil tê-la composto.
Cotação: ***1/2
19 de jul. de 2008
CD: “BANDA LARGA CORDEL” (GILBERTO GIL) – UMA ANTENA NO CORDEL E OUTRA NA BANDA LARGA
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Gilberto Gil
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