22 de set. de 2011

E agora que o R.E.M. não existe mais...

“Aos nossos fãs e amigos: como R.E.M., e como grandes amigos e colaboradores, decidimos nos separar como banda. Nós nos despedimos com um grande sentimento de gratidão, completude e orgulho de tudo que conquistamos. Espero que nossos fãs entendam que essa não foi uma decisão fácil. Mas todas as coisas precisam acabar, e nós queremos fazer direito, fazer do nosso jeito”.

Hoje poderia estar aqui escrevendo sobre várias coisas bacanas que aconteceram, como a gravação do programa “Sem censura” (meus avós amavam esse programa), o ótimo papo com o Silvio Essinger para o “Segundo Caderno” do jornal O Globo, o chat sobre o Rock in Rio na UOL...
Mas fica difícil desviar o assunto quando a gente toma conhecimento de que uma coisa que você ama não existe mais.
Foi através do Silvio Essinger que recebi a notícia de que o R.E.M. estava se separando. Já escrevi algumas vezes sobre as bandas da minha vida. E elas são quatro (sem ordem de preferência): Beatles, Legião Urbana, Queen e R.E.M..
Foi um grande baque. Praticamente a notícia da morte de alguém que gosto muito.
O R.E.M. embala minha vida já faz alguns anos.

A minha paixão com o R.E.M. começou mesmo com “Document” (1987). Aprendi um pouco de inglês decorando a letra de “It’s the end of the world, as we know it (And I feel fine)”. Até hoje berro “Right!!” mais alto do que o Michael Stipe. Pode apostar!
Depois de “Document”, em uma viagem aos Estados Unidos, comprei o “Green” (1988) e a coletânea “Eponymous”, do mesmo ano.



O “Green” ficou jogado de lado, confesso. Eu chapei com as músicas de início de carreira do R.E.M. presentes no “Eponymous”. “Gardening at night”, “So. central rain”, “Driver 8”, “Fall on me”... Aquilo teve uma importância na minha vida que eu comparo com a primeira vez que ouvi o “Greatest hits” (1981) do Queen, ou uma coletânea dos Beatles, que não me lembro o nome, com 20 sucessos, que ia de “She loves you” a “The long and winding road”, ou ainda o “Dois”, da Legião Urbana.



Naquele álbum, o R.E.M. apresentava um som diferente, que eu nunca tinha escutado antes. Eu me surpreendi. E por isso me apaixonei. Próxima missão: correr para a importadora mais próxima e encomendar “Murmur” (1983), “Reckoning” (1984), “Fables of the reconstruction” (1985) e “Lifes rich pageant” (1986).


Três anos depois, a explosão mundial. Usando duas expressões horrorosas, o R.E.M. deixava de ser indie para integrar o mainstream. Invadiu a MTV e vendeu milhões de cópias daquele álbum de capa amarela e que tem uma música chamada “Losing my religion”. Na entrega do VMA’s, da MTV, Michael Stipe nem conseguia carregar tanto troféu.
Dependendo do ponto de vista, foi a glória.



E eu acho que foi mesmo.
E foi porque o R.E.M. não se vendeu depois do imenso sucesso. Pelo contrário. Quando teve a chance de lotar shows com uma “Out of time tour”, o grupo preferiu se trancar em estúdio para gravar a sua obra-prima, que atende pelo nome de “Automatic for the people” (1992). Aquilo lá podia muito bem ser uma coletânea de sucessos. Ao jeito do R.E.M., diga-se. O primeiro single do álbum, “Drive”, é uma das músicas mais estranhas (e belas) compostas pelo conjunto. E o que dizer de “Everybody hurts”, “Nightswimming” e “Find the river”, certamente as baladas mais bonitas dos anos 90?? Ah, também tinha “Man on the moon”, uma loucura deliciosa que misturava no mesmo saco Andy Kaufman, Mott The Hoople, Charles Darwin e Moisés.



E que tal uma turnê monstruosa para divulgar “Out of time” e “Automatic for the people”?
Lógico que o R.E.M. nem pensou em pisar no palco.
O estúdio era mais aconchegante. E de lá a banda saiu com “Monster” (1994), o seu álbum mais pesado, criticado à época do lançamento, mas hoje considerado “cult”. Mas quem ouviu o disco com atenção, logo que ele foi lançado, já pôde reparar a beleza por trás de pedradas como “Bang and blame” e “Circus envy”. Eu estava nos Estados Unidos quando esse álbum saiu, e o comprei no dia do lançamento. Tinha a esperança de ver algum show da turnê norte-americana, que ia começar alguns meses depois, quando voltaria aos EUA. Mas o baterista Bill Berry sofreu um colapso durante um show na Suíça, consequência de um aneurisma cerebral. Ele acabou deixando o conjunto, e a turnê, tão aguardada, teve que ser adiada por alguns meses. Um parêntese: quem abriu os shows da “Monster tour” foi ninguém menos que o Radiohead.



Os álbuns seguintes foram “New adventures in hi-fi” (1996) e o delicado “Up” (1998). Do primeiro destaco “New test lepper” (dos versos “I can’t say that I love Jesus / That would be a hollow claim”) e “E-bow the letter” (com o luxuoso vocal de Patti Smith). Já “Up” é um capítulo a parte. Provavelmente foi o CD que mais ouvi na minha vida. Eu demorei três dias só para digerir “Airportman” e pular para a segunda faixa. Aquilo lá era coisa muito séria, que atinge o seu esplendor máximo em “Sad professor”, cuja letra retrata, de modo brilhante, a vida de um alcoólatra.
Mas “Up” me deixou com muita raiva. Raiva de nunca ter assistido um show do R.E.M. ao vivo. Aquilo tudo lá ficava restrito aos DVDs, e eu tinha quase que a absoluta certeza que nunca ia assisti-los ao vivo.



No final do ano 2000, a grande alegria: o R.E.M. estava confirmado para fechar a segunda noite do Rock in Rio.
E, como não poderia deixar de ser, a apresentação foi antológica. A turnê de “Up” já havia sido oficialmente encerrada. Então, o R.E.M. aproveitou para fazer um tour de force em seu repertório, apresentando músicas de praticamente quase todos os seus álbuns, incluindo duas inéditas, que viriam a ser lançadas no CD “Reveal” (2001): “She just wants to be” e “The lifting”. A banda chegou com uma semana de antecedência ao Rio e se trancou em um estúdio durante sete dias para ensaiar um grande número de canções, para poder escolher o melhor setlist possível para o show.



E logo no início da apresentação, o R.E.M. já mostrou que o show seria aquilo que os fãs, que nunca haviam visto a banda em cima de um palco anteriormente, queriam: uma verdadeira coletânea de sucessos ao vivo. A primeira canção foi “Finest worksong”, de “Document”. E outras músicas que o público brasileiro nem sonhava ouvir ao vivo estiveram presentes no repertório de 19 canções. Foram os casos de “Fall on me”, “Stand”, “So. central rain”, “Find the river” e “Pop song 89”. Também rolaram sucessos como “What’s the frequency, Kenneth?”, “The one I love” (durante a qual o vocalista Michael Stipe se jogou no meio do público), “Man on the moon”, “Everybody hurts” e, claro, “Losing my religion”. E ainda teve aquele final apoteótico com “It’s the end of the world”, que levantou poeira até quase a altura da Lua, que, diga-se, brilhou lindamente naquela noite.



Além do show, a grande recordação dessa “primeira vez” com o R.E.M. foram os autógrafos que peguei de Michael Stipe, Mike Mills e Peter Buck, na porta do Copacabana Palace.

“Reveal” saiu e, em 2004, foi a vez de “Around the sun”, quase um consenso entre os fãs da banda quando chega a hora de apontar o pior trabalho do R.E.M.. Eu concordo. O álbum não é ruim (não dá para chamar de ruim um disco com faixas como “I wanted to be wrong” e “Boy in the well”), mas, comparativamente, é, de fato, o mais fraco da banda.
A ressurreição veio em “Accelerate” (2008), no qual o R.E.M. retornava às origens, com canções tão curtas quanto um tiro. “Living well is the best revenge” e “I’m gonna DJ” não me deixam mentir.



Daí veio mais uma imensa turnê e que eu tive a sorte de ver quatro vezes. A primeira no dia 19 de junho de 2008, no Madison Square Garden, em Nova York (poster do show abaixo). Era o meu aniversário de 29 anos. E não podia comemorar de forma melhor. Tudo bem, faltou “Imitation of life”, mas teve “Begin the begin”, “These days” e “Disturbance at the heron house”. Johnny Marr ainda subiu ao palco para dar uma canjinha em “Fall on me”. E a abertura coube ao The National, talvez o sucessor do R.E.M..

Depois, vi o show na HSBC Arena, no Rio de Janeiro. E, sim, dessa vez teve “Imitation of life”. E ainda “Exhuming McCarthy”, “Nightswimming” e “Sweetness follows”. Os dois shows na semana seguinte, na Via Funchal, em São Paulo, eu arrisco dizer que foram os dois melhores que já vi (juntamente com “O descobrimento do Brasil”, da Legião Urbana, em outubro de 1994, no Metropolitan, e a apresentação do Paul McCartney, no ano passado, no Gigante da Beira-Rio, em Porto Alegre). Michael Stipe estava com a corda toda. No primeiro show, em “Bad day”, fiquei fazendo sinal para ele me jogar a gaita. Ele apontou em minha direção, jogou e... o cara que estava na minha frente deu um salto mortal e a pegou. Na segunda apresentação, durante “The one I love”, eu estava bem na grade, e, Michael Stipe na minha frente. Sabendo que ele gosta de se jogar no meio da galera durante essa canção, comecei a fazer um sinal como quem diz: “é a hora!”. Pode ser pretensão minha achar que ele se jogou na plateia porque eu “mandei”, mas a verdade é que, dois segundos depois, Stipe estava cuspindo na minha frente, e eu com a mão na careca dele, sem a menor cerimônia. Quando chegou a vez de “Man on the moon”, a derradeira do set list, mal poderia imaginar que aquela ia ser a última vez que via o R.E.M. ao vivo.



No dia 08 de março desse ano, saiu “Collapse into now”. Minha importadora conseguiu que o CD chegasse ao Brasil no exato dia do lançamento lá fora. Como sempre, parei tudo para escutar o álbum. E que discaço! Só a primeira música, “Discoverer” já valia o álbum inteiro. Assim como acontecera em “Accelerate”, o R.E.M. voltava a gravar um álbum cru, com canções rápidas, casos de “All the best” e “Mine smell like honey”. Também tem uma balada que considero a música mais bonita de 2011: “Oh my heart”. E o que dizer de “Blue”, com a participação (mais uma vez) da fenomenal Patti Smith??
Após “Blue”, os primeiros acordes de guitarra de “Discoverer” voltam a soar. Como se mandasse o recado: “escute tudo de novo”.



Lógico que eu escutei.
E continuo escutando.
Até ontem, o R.E.M. era a maior banda de rock do mundo em atividade.
Hoje, ela se junta aos Smiths, aos Beatles, ao Led Zeppelin, ao Police e a tantas outras.
O R.E.M. virou História.
Aliás, quem disse que o R.E.M. já não era História?

“Para aqueles que já se sentiram tocados por nossa música, nosso mais profundo agradecimento.”

E o meu também, Michael, Peter, Mike e Bill.