10 de out. de 2010

Resenhando: Gal Costa, Santana, Lulu Santos, Dave Matthews Band, Chico Buarque

“Total”– Gal Costa
Poucos artistas conseguem imortalizar uma obra tão coesa. Gal Costa conseguiu tal façanha. Ao menos se levarmos em conta o seu período na gravadora Philips/Polygram (atual Universal). E é essa fase que está presente no box “Total”, que chega agora às lojas com 15 discos gravados por Gal entre 1967 e 83, além do CD duplo de raridades “Divina, maravilhosa”. Tudo bem, lá pelo iniciozinho dos anos 80, Gal Costa patinou em alguns álbuns com roupagens pasteurizadas, especialmente o equivocado “Baby Gal” (1983), de gosto bem duvidoso, diga-se. Mas dá pra absolver a baiana, afinal de contas, meio-mundo da MPB teve lá os seus problemas com aquelas texturas sonoras eletrônicas dos 80’s. E a obra anterior de Gal serviria como “bons antecedentes”, certamente. Veja só a quantidade de clássicos: “Domingo” (1967), o primeiro álbum de Gal, que apresenta uma voz insegura, mas linda e cristalina, ao lado de Caetano Veloso; o seu berro tropicalista, no auto intitulado álbum de 69; “Legal”, de 1970, com os arrepiantes duelos entre a garganta de Gal e os dedos do guitarrista mágico Lanny Gordin; o ao vivo “A todo vapor” (1971), cujo frescor exala o cheio da maresia da praia do Arpoador no início dos anos 70; a obra-prima “Cantar” (1974), com arranjos de mestre João Donato; “Gal canta Caymmi” (1976), o melhor songbook já gravado no Brasil, mas que infelizmente, por questão de direitos autorais, não vem com a sua capa original nessa caixa; “Água viva” (1978), apesar dos arranjos datados, trouxe ao mundo o clássico “Folhetim”, de Chico Buarque... Tudo isso está presente na viagem de “Total”. E o CD extra “Divina, maravilhosa” fecha o box com chave de ouro, com 28 músicas raras, dentre as quais se destacam a versão em estúdio de “Vapor barato”, “Canção da moça” (que Gal gravou para o filme “Brasil do ano 2000”, de Walter Lima Jr.) e “Três da madrugada”, que só foi lançada em um antigo compacto que veio encartado na primeira edição do livro “Os últimos dias de Pauperia”, de Torquato Neto. O áudio dos CDs, que foi remasterizado, está tinindo. E todos os álbuns são acompanhados pela arte original da época do lançamento em vinil – com exceção de “Gal canta Caymmi”.

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“Guitar heaven: The greatest guitar classics of all time” – Santana
Eu juro que tive boa vontade. Apesar dos últimos álbuns do Santana serem extremamente irregulares, por alguns minutos pensei que “Guitar heaven: The greatest guitar classics of all time” poderia ser um dos discos do ano. O repertório não tem erro. Saca só: “Whole lotta love” (Led Zeppelin), “Back in Black” (AC/DC), “Dance the night away” (Van Halen), “While my guitar gently weeps” (George Harrison), “Riders on the storm” (The Doors), “Smoke on the water” (Deep Purple), “Little wing” (Jimi Hendrix)… Bom, né? O time de convidados-cantores também tem alguns brilharecos: Chris Cornell, Scott Weiland, Ray Manzarek (embora esse não cante, é um dos membros fundadores do The Doors), Joe Cocker, Johnny Lang... Razoável, não? E a guitarra de Carlos Santana? Brilhante, concorda? Mas aí, você coloca a primeira faixa, exatamente “Whole lotta Love”, com Chris Cornell, e descobre que pode ter erro sim. Aliás, erro não, muito erro. Se “Supernatural” (1999) e “Shaman” (2002) já representam o auge da venda barata (ops, barata??) de Carlos Santana, “Guitar heaven” chega a ser o cúmulo. Se nos dois trabalhos supracitados, Santana não teve vergonha de soar cafona em um repertório irregular, nesse novo álbum, acredite, Santana destrói canções (antes) indestrutíveis. Em arranjos pra lá de pasteurizados, feitinhos pra vender bastante, Santana deixa “Back in black” irreconhecível com os vocais de NaS e uma sonoridade modernosa over demais. “Little wing” perdeu toda a sua magia com um arranjo equivocado. Nem a voz de Joe Cocker e a guitarra de Santana salvam. George Harrison deve estar perguntando se Santana enlouqueceu após a versão de “While my guitar gently weeps”, com o vocal meloso e insosso de India.Arie e uma guitarra espanholada bem brega. “Sunshine of your love” com Rob Thomas? Melhor nem comentar. E olha que o pior nem é a participação do vocalista do Matchbox Twenty. Talvez a menos ruim seja “Dance the night away”,que ficou próxima da versão original do Van Halen. Triste notar como um artista tão importante pode ser capaz de perder a relevância de modo tão brutal. Particularmente, não tenho mais a mínima esperança naquele guitarrista que abalou o final da década de 60, com a sua guitarra trovejante.

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“Acústico MTV II” – Lulu Santos
Lulu Santos vai gravar mais um “Acústico MTV”? Mas com qual repertório, se há dez anos ele gravou uma antologia acústica dupla definitiva? Ao contrário dos saudosistas que lotam os shows de Lulu, o compositor carioca continua compondo e lançando bons álbuns por aí. Ou seja, repertório não falta para um “Acústico II”. E Lulu Santos provou isso, se dando ao luxo, inclusive, de deixar muita coisa boa de fora. Assim como já fizera no primeiro volume do projeto chancelado pela MTV, Lulu optou por algo enxuto, sem aquela frescurada de orquestras e dezenas de convidados especiais. Em “Acústico II”, Lulu conta com a sua banda, cujos integrantes (a maioria, pelo menos) já são bem conhecidos de quem frequenta os seus shows, e apenas uma convidada especial: a cantora Marina De La Riva, que nada acrescentou à “Adivinha o quê”. O baixista Jorge Ailton, que já se revelara um bom compositor com a sua “Atropelada” (presente em “Singular”, álbum anterior de Lulu, lançado no ano passado), agrada mais uma vez, apesar da pouca voz, com “O óbvio”, nesse “Acústico MTV”. Ao contrário do que 99% das críticas vêm dizendo, o repertório do álbum não é composto “basicamente” pelos lados B de Lulu. Com exceção de “Dinossauros do rock” e “Auto estima” (esses sim lados B de verdade), o roteiro da apresentação privilegia sucessos de Lulu Santos. Talvez as pessoas não se lembrem, mas “Papo cabeça” tocou muito nas rádios em 1990, quando “Honolulu” chegou às lojas. O mesmo aconteceu com “Brumário”, hit do genial “Popsambalanço e outras levadas” (1989). “Um pro outro” foi um dos maiores sucessos de “Lulu” (1986), assim como “Minha vida”. E o que dizer de “Tudo azul”, faixa título do álbum lançado em 1984. Lado B? Onde, cara pálida? Completam o repertório músicas que Lulu Santos lançou após o primeiro “Acústico MTV”, como “Baby de Babylon” (que ganhou um arranjo sambossa muito legal), “Já é!” (que ficou perto do lounge) e “Vale de lágrimas”, uma das grandes composições do Lulu, e que está presente em seu “Letra & música”, de 2005. O DVD ainda traz uma trinca dedicada aos heróis de Lulu Santos: “Tuareg” (Jorge Ben), “Odara” (Caetano Veloso) e “Ele falava nisso todo dia” (Gilberto Gil). Que venha o “Acústico III”, em 2020.

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“Live in Rio” – Dave Matthews Band
Se você entrar no site oficial da Dave Matthews Band, vai encontrar algumas dezenas de gravações de shows da banda. Mas não vai achar “Live in Rio”, que pode ser encontrado nas lojas brasileiras. Sim, aproveitando os shows desse fim de semana no país, a banda, generosa, fez um agrado aos fãs brasileiros, lançando o CD duplo com a antológica apresentação do dia 30 de setembro de 2008 no Vivo Rio. Embalado em um bacaníssimo digipack, o CD duplo traz o show na íntegra com exceção de duas músicas, cortadas por conta do tempo: “You might die trying” e a versão de quase 30 minutos de duração de “# 41”. Em duas horas e trinta e cinco minutos, a Dave Matthews Band fez um tour de force em seu repertório, desde raridades como “Say goodbye” (com a participação de Carlos Malta e seu pífano delicioso) e a explosiva versão para “Burning down the house”, do Talking Heads, até chegar àquelas músicas que todo fã gosta de ouvir, como “Ants marching” (com um solo de violino endiabrado de Boyd Tinsley), “Warehouse” e o grand finale de quase 18 minutos de “Two step”. Quem esteve presente no show sabe que a plateia carioca deu um espetáculo a parte. E isso pode ser notado nesse “Live in Rio”. Chega a ser arrepiante ouvir o público (4,5 mil pessoas que lotaram o Vivo Rio) cantando alto “Say goodbye” e, especialmente, “Jimi thing”. Assim como também chega a ser emocionante ouvir as ótimas versões ao vivo de “Satellite” e “So damn Lucky”, duas das músicas mais lindas da DMB. Dois meses antes da apresentação no Rio, o saxofonista Leroi Moore havia partido dessa pra melhor. No encarte, Rodrigo Simas, que comanda o site DMBrasil, escreveu que “Leroi ficaria orgulhoso”. Tem razão. Ficaria mesmo.

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“MPB Especial” – Chico Buarque
Volta e meia aparece por aí algum DVD dos programas “Ensaio” e “MPB Especial”, da TV Cultura. Geralmente são bem bacanas, com o artista cantando sucessos de seu repertório entremeados por entrevistas. Os DVDs de Elis Regina, Tim Maia, Ivan Lins, Nara Leão e Cartola, que já foram lançados, são especialmente reveladores. O último lançamento foi o de Chico Buarque, que a Biscoito Fino colocou nas lojas no final do mês passado. Infelizmente, o “MPB Especial” de Chico Buarque é o mais decepcionante da série. Em primeiro lugar, a impressão que fica é que não havia nada ensaiado. Chico não toca praticamente nenhuma música inteira, mas apenas cantarola algumas das 18 músicas listadas no encarte do DVD. Uma pena, eis que o repertório é primoroso, composto por pérolas que Chico não canta mais ao vivo há anos. Sente só: “Tatuagem”, “Meu refrão”, “Ela desatinou”, “Bom conselho”, “Olê, olá”, “Flor da idade”, “Boi voador não pode” e “Caçada”, sendo que essa última é apresentada na íntegra. Na entrevista, Chico fala sobre a peça “Calabar”, censurada à época da gravação do programa (1973), seus parceiros, especialmente Vinicius de Moraes, Toquinho e Ruy Guerra, e ainda sobre seus ídolos, como Ciro Monteiro e Nelson Cavaquinho, sendo que este último também é homenageado com um trechinho de “Cuidado com a outra”. O futebol (especialmente o Fluminense) também é assunto no DVD, que traz algo realmente bacana: o Hino do Politheama, time de futebol de Chico Buarque. Mas muito pouco para os 48 minutos de duração do vídeo. Muito pouco para Chico Buarque.

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Abaixo, a primeira faixa de “Guitar heaven: The greatest guitar classics of all time”, novo álbum de Santana, com a participação de Chris Cornell nos vocais.