25 de set. de 2008

CD: “LABIATA” (LENINE) – MUITO POUCO PARA SEIS ANOS SEM LENINE

O último álbum de músicas inéditas de Lenine foi “Falange Canibal”, lançado em 2002. Nesses seis anos, o músico pernambucano gravou dois bons discos ao vivo (“In Cite”, de 2004 e “Acústico MTV”, de 2006). Obviamente, o mínimo que se podia esperar, depois de tanto tempo sem lançar um trabalho de inéditas, é que Lenine, como ótimo compositor que é, fosse apresentar um grande disco. Mas, infelizmente, não foi o que aconteceu.

Lenine explicou que a composição das canções de “Labiata” seguiu um processo diferente. Todas as 11 faixas do álbum foram feitas a toque de caixa, em apenas 15 dias. Segundo Lenine, “as músicas foram amadurecendo no fazer”. Mas, com tanto pouco tempo, o previsível aconteceu. “Labiata” é apenas um disco mediano, ou seja, tijolo menor na obra do compositor pernambucano.

Dessa forma, uma sensação de “déjà vu” é inevitável na audição do álbum. Os primeiros acordes de “É Fogo”, por exemplo, dão a impressão de que Lenine vai começar a cantar “Jack Soul Brasileiro”. E “É o Que Me Interessa” remete logo à “Paciência”, uma das mais belas composições de Lenine. Tudo bem que a lindíssima letra da nova canção (“A sombra do passado / Assombraram a paisagem / Quem vai virar o jogo / E transformar a perda / Em nossa recompensa”), feita em parceria com Dudu Falcão é um ponto alto do disco. Mas é muito pouco para uma espera de seis anos. E, voltando à “É Fogo”, o seu arranjo de metais, elaborado por Serginho Trombone, também é interessante. Mas, repita-se, muito pouco para tanta espera.

Essa canção teve a participação de Pedro Luis e a Parede (Mário Moura, C.A. Ferrari, Sidon Silva, Celso Alvim e Léo Saad), assim como “A Mancha”, parceria com Lula Queiroga. Tal faixa é a mais pop de “Labiata”, no estilo de álbuns anteriores, como “Na Pressão” (1999). A ótima intervenção do PLAP – que à época da gravação encontrava-se em estúdio sendo produzido pelo próprio Lenine – é sempre bem-vinda. E talvez esse seja o motivo de as duas canções serem, musicalmente, as duas melhores do CD.

Um ponto bem notável nesse novo álbum é a quantidade de parceiros de Lenine. Parceiros, diga-se de passagem, com quem Lenine trabalha já há algum tempo, o que fez com que ele definisse “Labiata” como “um disco de intimidades”.

“Samba e Leveza” é uma letra de Chico Science, musicada recentemente por Lenine. A letra, verdade seja dita, não é das melhores do falecido compositor, mas os “barulhinhos” de Kassin, que co-produziu a faixa, fazem da mesma um dos destaques de “Labiata”. Com Arnaldo Antunes, por sua vez, Lenine compôs duas canções: “O Céu É Muito” e “Excesso Exceto”. Não por acaso, são, de longe, as duas mais roqueiras do álbum, lembrando bastante as músicas de início de carreira-solo do ex-Titã.

Na primeira, apesar de estar mais próximo do universo de Arnaldo, tanto musicalmente quanto poeticamente (“O céu é muito / Para o sol / Alcança só / O que gravita / O tempo é longo pra quem fica / A terra gira pra nós dois”), Lenine se sai muito bem. A faixa conta com um final pesadíssimo, com JR Tostoi mandando ver na guitarra e Pantico Rocha idem na bateria. “Excesso Exceto” segue o mesmo caminho com a participação especial de China nos vocais.

Com Ivan Santos, Lenine arriscou a concretista “Magra”, e com Bráulio Tavares, o compositor pernambucano fez “Lá Vem a Cidade”, com uma letra longuíssima e um andamento melódico mais lento. Rodrigo Campello tocou violão, baixo e cavaquinho, além de ter co-produzido a faixa, ao lado de Lenine e JR Tostoi (responsáveis pela produção de “Labiata”).

Mas a participação especial que realmente deu mais resultado no álbum foi a do Quinteto da Paraíba, que, com suas lindas cordas, faz de “Ciranda Praieira” uma espécie de cantiga de roda impressionista, que depois se transforma em algo mais pop-rock moderno recheado de efeitos eletrônicos. Musicalmente, outro ponto alto do disco. E em “Martelo Bigorna”, primeira faixa de “Labiata”, o Quinteto volta a atacar com as cordas fazendo um belo contraste ao som sujo de guitarra de Tostoi.

O próprio Lenine afirmou que “Martelo Bigorna” é uma canção autobiográfica – sintomaticamente, é uma das duas faixas que Lenine compôs sozinho –, e a sua letra não deixa maiores dúvidas: “Muito do que eu faço / Não penso, nem lanço compromisso / Vou no meu compasso / Danço, não canso a ninguém cobiço / É por tudo que fiz e sei que mereço”. A outra faixa exclusiva do Lenine compositor é a última, “Continuação”. Interessante notar como ambas se complementam. Na primeira, Lenine já deixa clara a sua proposta de uma “falta de compromisso”. Na última, a impressão que fica é que Lenine não tinha mais nada a dizer. Mas que pelo menos fique claro na cabeça dos fãs que a “continuação” não demorará mais seis anos.

Abaixo, um rápido e interessante making of da gravação de “Labiata”, dirigido por Rodrigo Pinto.

Cotação: ***

4 comentários:

JUNIA FS disse...

Fiquei meio decepcionada com o "Labiata".
"Labiata" não é uma orquídea resistente?Onde está presente esta resistência???
Faltou consistência.....
Você vai passando as faixas e se pergunta: - Cadê, cadê, cadê???
Cadê aquela pegada nordestina presente em todos os trabalhos do Lenine?
Cadê o forró, o baião, o xaxado????
As letras continuam poéticas, lindíssimas...
Achei este cd muito laboratorial. Eu gosto desses artistas, mas ficou muito uma mistura de Tom Zé com Arnaldo Antunes....que sempre valorizam o INACABADO!
Gostei do violino em "Martelo Bigorna", e "Cidade Praeira" é minha favorita.
Faltou um "Quê"..... um beat mais forte, algo tipo "Alzira".
Lenine meu poeta me desculpe, mas desta vez você pecou pela "falta de excesso"!!
Um ps* Ele está lindo com o novo corte de cabelo!!!

Anônimo disse...

vai la e faz melhor

Anônimo disse...

Oi, não resisti a fazer um comentário a respeito de sua crítica ao ecológico Labiata. É claro que não se trata de uma opinião parcial, uma vez que sou fã do Lenine, e portanto carregada da afetividade cuja falta faz com que as críticas musicais pareçam sempre tão frias. Mas, lá vai. Concordo com sua observação sobre as parecenças. Porém, se é um disco de autoria, autobiográfico, com quem deveria se parecer? Justíssimo déjà vu! Magra construtivista, muito bem observado. Fico ouvindo o CD no carro e apertando o repeat (adoro repeat O céu é muito e cantar loucamente), e confesso que A mancha é das que menos ouço, não acho que tem o apelo pop que vc aponta. Quem tem é O que me interessa, pois apesar de ser "música de novela", nem por isso deixa de ter a marca da qualidade de composição e música do Lenine. Vai prá galeria "músicas maravilhosas do Lenine", junto com Paciência, O que é bonito, Distantes demais, O silêncio das estrelas... Lá vem a cidade, de "letra longuíssima" (esses tempos de modernidade líquida não perdoam nada muito comprido) é da mesma cepa de O marco marciano, também longuíssima - para meu deleite, pois a considero a música mais bela do Lenine. Mas, o biscoito fino do disco é Samba e leveza - me lembrou a levada espiritual de Desde que o samba é samba, dos mestres Caetano e Gil. Meu conselho: ouça com tempo, aperte o repeat, que vc vai gostar. Bjs, C.

Júlio Araújo disse...

Na verdade, não é um disco de fácil "digestão". A riqueza deste disco "Labiata" está nos pequenos detalhes sonoros dos quais apenas nos apercebemos com algum tempo. Não é um disco de apenas uma audição, mas de várias, e de cada audição, uma forma diferente de sonoridade vai ser vista em cada canção.