3 de ago. de 2008

CD: “MEÐ SUÐ Í EYRUM VIÐ SPILUM ENDALAUST” (SIGUR RÓS) – UM POUCO MAIS POPULAR, MAS SEM PERDER A ESSÊNCIA

O Sigur Rós parece aquele tipo de banda intangível. Todos os seus álbuns dão a impressão de que o som não é feito por seres humanos, mas sim por seres inexistentes – anjos? –, como se a música surgisse através de pura e simples materialização. Ao mesmo tempo, todos sabemos que a música feita pela banda formada pelos islandeses Jón Þór ‘Jónsi’ Birgisson, Georg ‘Goggi’ Hólm, Kjartan ‘Kjarri’ Sveinsson e Orri Páll Dýrason, e que desperta tantas emoções, é impossível de ser construída simplesmente por máquinas.

No CD de título impronunciável “Með Suð Í Eyrum Við Spilum Endalaust” (algo parecido com “Tocamos Eternamente Com Um Zumbido Nos Ouvidos”), a banda islandesa mantém a sua fórmula, com canções cheias de climas etéreos e melodia minimalista. É algo tão tocante e mágico que já fez com que críticos internacionais classificassem o som da banda como o som de flocos de neves caindo no alto de uma montanha – seja lá o que isso quer dizer.

Neste novo trabalho, o som claustrofóbico dos discos anteriores ficou para trás. Em “Með Suð Í Eyrum Við Spilum Endalaust”, tudo é mais leve, colorido e alegre. A conexão entre suas faixas faz o disco parecer uma espécie de mini-ópera, devendo ser ouvido do início ao fim, sem interrupções. E apesar do idioma indecifrável, a música por si só é mais do que o suficiente para emocionar, da mesma forma que uma ópera de Richard Wagner.

Se não chega a ser tão bom quanto “Ágætis Byrjun”, “Með Suð Í Eyrum Við Spilum Endalaust”, o quinto álbum da banda, é o mais palatável de sua carreira. Nele, a banda islandesa dá a impressão de que deseja ser mais conhecida pelas pessoas, e, para isso, escalou pela primeira vez uma pessoa de fora para ajudar na produção do disco. Flood, que já trabalhou com U2, Depeche Mode, PJ Harvey e Smashing Pumpkins, conseguiu eqüalizar a distinta sonoridade da banda, que jamais abre mão de suas raízes, com algo mais pop. Assim, o Sigur Rós conseguiu fazer um álbum exuberante e popular. Manteve a integridade e não vendeu a alma ao diabo.

Verdade seja dita, a banda liderada por Jónsi já estava buscando esse rumo há alguns anos. Caso contrário, não teria cedido faixas para filmes de Hollywood (como “Vanilla Sky”, por exemplo) e séries de televisão, como o campeão de audiência “24 Horas”. Mas quem conhece o som do Sigur Rós e ficou assustado com essa “popularização”, não precisa se preocupar. A primeira faixa do álbum, a rápida “Gobbledigook”, com seus tambores tribais é algo bem mais pop do que qualquer coisa que o Sigur Rós já gravou, mas a qualidade não perde em nada. Até mesmo porque o fato de ser popular está bem longe de ser algo ruim. “Við Spilum Endalaust” é outra que muita gente vai dizer que é uma faixa que poderia estar no “Viva La Vida Or Death And All His Friends”, do Coldplay. Mas e qual seria o problema? Até mesmo porque “Viva La Vida”, queira ou não queira, é um dos melhores álbuns lançados nesse ano.

Interessante notar é que essas duas faixas estão na primeira metade do álbum. E realmente há uma diferença bem significativa entre o “lado A” e o “lado B” de “Með Suð Í Eyrum Við Spilum Endalaust”. As primeiras canções do CD são mais rápidas, populares e vibrantes. A segunda metade, a partir da sexta faixa, segue mais o estilo dos anteriores “Ágætis Byrjun” e “( )”, ou seja, mais reflexivo, introspectivo, nebuloso e impressionista. Mas a primeira metade ainda reserva momentos preciosos. “Inní Mér Syngur Vitleysingur”, com o seu xilofone nervoso, suas guitarras acústicas e uma percussão cadenciada, é uma típica canção de Sigur Rós, assim como a seguinte, “Góðan Daginn”, que poderia muito bem estar no meio de algum disco anterior da banda.

“Festival”, a quinta faixa do CD é uma das melhores coisas que o Sigur Rós já compôs (e facilmente será considerada uma das melhores músicas do ano). São nove majestáticos minutos de uma canção que mais parece uma oração. O início, com a voz de Jonsi em falsete e as cordas ao fundo evolui para um clímax arrebatador a partir de uma repetida batida em um tambor tribal. Ao final, o silêncio volta a reinar, com o singelo som do assovio da melodia. Se “Með Suð Í Eyrum Við Spilum Endalaust” só tivesse essa música, pode ter certeza que já teria valido o investimento.

Outra que segue o mesmo paradigma de “Festival” é “Ára Bátur”, com o seu suave início contando apenas com voz e piano até que as cordas entram para um final triunfal com direito a um coro arrepiante. Essa faixa foi gravada no estúdio de Abbey Road, com uma orquestra completa (no caso, a London Sinfonietta) e ainda com o London Oratory Boys Choir. E o mais impressionante é que tudo foi gravado em apenas um único take, sem overdub algum. Quase cem pessoas gravando uma canção em um estúdio, em um take perfeito, só pode ser graça dos anjos...

Após duas canções do nível de “Festival” e “Ára Bátur”, as últimas quatro faixas do álbum acabam funcionando mais como uma ‘coda’. São canções com um menor tempo de duração (com exceção da última), acústicas e musicalmente bem mais simples – calcadas apenas no piano e/ou violão. “Illgresi”, a singela e belíssima “Fljótavík” e “Straumnes” dão a impressão de que a banda precisa respirar um pouco depois de tanta informação.

E para o ‘grand finale’, o Sigur Rós preparou mais uma surpresa. Pela primeira vez, a banda grava uma canção com letra em inglês. Tudo bem que a pronúncia não é das mais esclarecedoras, mais poder ouvir (e entender) uma letra, com um piano bem suave ao fundo, que diz “I’m sitting with you / Sitting in silence / Let’s sing into the years, like one / Singing in tune, together / A psalm for no one / Let's sing in tune / But now it's home” na voz de Jón Þór ‘Jónsi’ Birgisson é um deleite. Um final que não poderia ser mais apropriado.

Abaixo, a canção “Gobbledigook”, gravada durante o festival Latitude, que aconteceu no mês passado, na Inglaterra.

Cotação: ****1/2

2 comentários:

GEOFORUM disse...

Olá!

Ótima resenha, conseguiu expressar tudo aquilo que tb penso. Ou seja, Sigur Ros está sim mais acessível, sem que isso signifique que tenha perdido sua qualidade. Para Sigur Ros sair do seu esquema mágico e entrar na bestialização do pop burro acho muito difícil. Sendo assim, acho o que Sigur Ros é o que há de melhor na cena musical contemporânea.

nauvegante disse...

Caramba cara, impressionante esta resenha, muito bem feita, honrou o que está falando, que é este álbum grandioso, também concordo com o fato de o Agaetis ser insuperável, mas esse álbum está sendo devorado todos os dias pelos meus ouvidos desde que foi lançado...rsrs parabéns...


(puta que pariu o0, não sabia sobre aquela história da Abbey Road da Ára Batur que você contou na resenha, ótimo ótimo! pirei!)

Abraço!