No cada vez mais pobre mercado brasileiro de discos, aconteceu um fato bastante curioso na semana passada. Quase no mesmo dia, chegaram às lojas dois álbuns que têm muito em comum: “Multishow Ao Vivo”, do Capital Inicial e “O Trovador Solitário”, de Renato Russo. Chega a ser emocionante ouvir no álbum do Capital, o vocalista Dinho Ouro Preto cantar “Que País É Este?” acompanhado por um coro de quase um milhão de pessoas, e, ao mesmo tempo, ter a oportunidade de escutar uma versão demo da mesma canção, gravada no mesmo ano em que foi composta (1978) por um Renato Russo cru, apenas com a sua voz e um violão. Será que Renato Russo imaginava que a estaria fazendo história e que aquela música permaneceria tão atual 30 anos depois?
É dessa maneira que o fã deve ouvir “O Trovador Solitário”, mais um lançamento do selo “Discobertas” que já chega prometendo fazer muito barulho no mercado fonográfico. Se você for um fã ocasional da Legião Urbana, este lançamento pode decepcioná-lo um pouco devido a qualidade precária do som. Mas caso você seja um grande fã da banda, provavelmente vai considerar “O Trovador Solitário” o melhor CD póstumo de Renato Russo (incluindo os da Legião Urbana).
É arrepiante testemunhar Renato Russo – sem ter a mínima noção de que estava fazendo história – tocando e cantando as suas primeiras composições. Logo após “Eduardo e Mônica”, Renato brinca: “18:21 e um violão desafinado. E antes vocês ouviram ‘Eduardo e Mônica’ e ‘Dado Viciado’. Rádio Brasília”. Provavelmente o ex-líder da Legião Urbana não imaginava aonde chegaria com o seu talento. E com essas mesmas músicas acabou entrando para a história da Música Popular Brasileira e tocando não só nas rádios de Brasília, mas sim nas do país inteiro.
As nove primeiras faixas do CD foram extraídas de uma fita gravada por Renato em seu quarto, em 1982. Logo após sair do Aborto Elétrico, ele pegou o seu violão e, com a cara e a coragem, enfrentou platéias hostis que estavam mais interessadas em ouvir o punk produzido pelas bandas que começavam a agitar Brasília. O destino acabou sendo compensador. Pouco tempo depois, com essas mesmas canções, Renato fundou a Legião e, como escreveu o produtor Marcelo Fróes no encarte do CD, “o resto é história”.
Das nove faixas, “Eduardo e Mônica”, “Eu Sei”, “Geração Coca-Cola” e “Faroeste Caboclo” acabaram se transformando em clássicos não só da Legião, mas do Rock Brasil. “Veraneio Vascaína”, outra que Renato tocou no seu quarto com um humilde gravador, é cantada, nos shows do Capital Inicial, a plenos pulmões por fãs que nem sonhavam em nascer em 1982. Já “Dado Viciado” e “Marcianos Invadem a Terra” somente entraram no último trabalho da Legião Urbana (quando Renato já havia morrido), “Uma Outra Estação”, e acabaram não acontecendo muito.
Completando as faixas gravadas em 1982, “Boomerang Blues” e “Anúncio de Refrigerante”. A primeira foi cedida ao Barão Vermelho e entrou no primeiro álbum da banda sem Cazuza (“Declare Guerra”, de 1986). Quanto a segunda, ela somente foi resgatada em 2004, no álbum em que o Capital Inicial releu a obra do Aborto Elétrico.
O mais curioso – e que vai fazer o ouvinte delirar – é poder ouvir as alterações que foram feitas em algumas das letras. “Eduardo e Mônica”, por exemplo, ganha estrofes curiosas como essa: “Eduardo e Mônica então decidiram se casar / Um casamento no oceano / Ou num lugar perto do mar / O mar tá muito longe, um deles lembrou / Vai ser aqui mesmo e assim ficou”. Em “Faroeste Caboclo”, o verso original “Pablo trazia cocaína da Bolívia” (presente na gravação de “O Trovador Solitário”) foi substituído, cinco anos depois, por “Pablo trazia contrabando da Bolívia”, no álbum “Que País É Este?”.
“O Trovador Solitário” fecha com uma versão demo, também só ao violão, de “Que País É Este?”, além de um dueto da canção “Summertime” – imortalizada por Janis Joplin – gravado ao vivo em 1984, com a pianista Cida Moreira.
O encarte do CD é outro ponto alto do projeto. Embalado em formato digipack, o libreto traz desenhos, anotações e fotos antigas de Renato Russo. Nem precisava tanto... Somente aquela fitinha que Renato colocou em seu gravador há 26 anos é o suficiente para fazer de “O Trovador Solitário” um documento histórico que retrata, simplesmente, o nascimento de um gênio da nossa música.
Abaixo, um vídeo com uma entrevista de Renato Russo falando sobre o fim do Aborto Elétrico e explicando porque se tornou “O Trovador Solitário”.
Cotação: *****
17 de jul. de 2008
CD: “O TROVADOR SOLITÁRIO” (RENATO RUSSO) – RELÍQUIA PARA COLECIONADORES
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Renato Russo
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